Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 24, 2008

Luiz Garcia - Rasgando perspectivas




O Globo
24/6/2008

Osenador Marcelo Crivella assinou um artigo tão eloqüente no jornal de sábado que bate na gente a tentação de lhe conceder uma trégua. Quem sabe, por exemplo, atender ao seu apelo para "rasgar nos horizontes infinitos da esperança a perspectiva iluminada do nosso destino".

Para isso, naturalmente, precisamos que ele tenha a generosidade de nos ensinar como é mesmo que se consegue rasgar uma perspectiva.

Da mesma forma, o senador bem que poderia explicar de que jeito será possível "transpormos esse dilúvio de ódios e paixões que marcam as cidades na proporção de suas desigualdades". Para transpor dilúvios precisa-se de barco ou guarda-chuva basta?

Em outro trecho, o senador informa que no Morro da Providência as consciências estão, literalmente, estraçalhadas.

É meio difícil imaginar o que seja uma consciência estraçalhada, mas certamente é algo assustador.

Estas observações, como é evidente, nada têm de malévolas: o objetivo é apenas realçar alguns dos pontos notáveis do depoimento do senador, que também nos promete "coragem inquebrantável" para evitar "novos e maiores equívocos". Como sabido, o estilo é o homem. E o artigo do senador é mesmo a cara dele.

Falando sério, estamos todos de acordo: é mesmo necessário um esforço para interromper a série de equívocos em torno do projeto do senador na favela.

Eles começaram - é proibido esquecer - com a intervenção pessoal do presidente Lula, convocando o Ministério das Cidades e o Exército para viabilizar de qualquer maneira o projeto eleitoreiro de Crivella na favela carioca.

O desfecho trágico deveria ter como conseqüência obrigatória a correção desses erros. Até agora, parece que apenas o mais visível deles será eliminado, com a substituição dos soldados do Exército na proteção ao projeto do senador. Mas não há qualquer sinal de arrependimento - nem mesmo uma contriçãozinha fingida, só para constar até o pessoal esquecer - em relação ao gesto que está na raiz de tudo: o uso de recursos federais no apoio decisivo a uma obra inegavelmente eleitoreira.

Com a novidade apenas da proteção policial adequada, continuará a custosa e escandalosa reforma de casas na favela, com inauguração marcada para a véspera das eleições disputadas pelo bispo licenciado da Igreja Universal.

O que aumenta bastante o risco de que o carioca tenha de passar os próximos anos com um prefeito rasgando perspectivas na sua paciência.

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