Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 28, 2008

Chineses treinam para se comportar bem nos Jogos

Sou louco por ti, Pequim

Com aulas de tudo e mudanças de hábitos, chineses
se empenham em lustrar a imagem do país


Juliana Vale, de Pequim

Fotos Feng Li/Getty Images e Jason Lee/Reuters
Busca da perfeição: torcedores aprendem a torcer e recepcionistas, em postura impecável, a recepcionar

Como prodígio econômico, a China costuma provocar nos estrangeiros as mesmas reações em cadeia: surpresa, admiração e receio. Os dois primeiros sentimentos provavelmente ganharão novos significados com a grandiosidade da festa de abertura da "melhor Olimpíada da história". Tudo o que está ao alcance humano, e também algumas coisas fora dele, pois aqui se trata de chineses, está sendo feito para embasbacar os 550.000 visitantes e as centenas de milhões de espectadores no mundo todo. Pequim, a sede dos Jogos, se aproxima da reta final de um furor reformista de 40 bilhões de dólares em melhoras de infra-estrutura e embelezamento. Estádios, aeroportos e estradas são todos portentos arquitetônicos. Mas o mais impressionante é a adesão dos cidadãos comuns, que se somam ao projeto olímpico tanto pelo costume de acreditar no que o governo diz quanto pelo sincero desejo de apresentar ao mundo uma imagem moderna e perfeita. Muitos estrangeiros têm até uma reação de insuportável condescendência diante dos esforços de reforma não apenas estética mas também cultural, incluindo a propagação de hábitos higiênicos. Os chineses, ao contrário, encaram a reeducação cívica com seu conhecido pragmatismo. Se é para melhorar o país (e portanto a vida de todos), ele não vêem problema algum em aprender a usar banheiros à maneira ocidental ou a não cuspir no chão.

Tudo o que concerne à Olimpíada é levado a sério, incluindo as aulas de como se comportar numa torcida organizada, conceito pouco difundido em sua acepção esportiva. Divulgada em vídeo e ilustrada em cartazes, a campanha ensina os gestos e gritos da torcida oficial: "Passo 1: bata palmas duas vezes e grite ‘olimpíada’; passo 2: braços estendidos, polegares em sinal de positivo, grite ‘vamos lá’; passo 3: bata palmas duas vezes e grite ‘China’; passo 4: braços estendidos para a frente e para cima, polegares em sinal de positivo, grite ‘vamos lá’.". A coreografia pode e deve ser adaptada para incentivar atletas estrangeiros – atenção, Dunga: o jogador Ronaldinho Gaúcho foi explicitamente citado pela presidente do Instituto de Etiqueta de Pequim, Li Ning. Os Gaviões da Fiel ou a torcida do Flamengo podem não se impressionar com os passos, mas por certo ficariam de queixo caído com as recepcionistas e monitoras que vão trabalhar nos Jogos Olímpicos. Primeiro, pela altura: num país de maioria de baixinhos, elas têm entre 1,70 e 1,80 metro. Segundo, porque o critério estético evidentemente pesou. Grande parte das selecionadas vem das escolas que preparam comissárias de bordo, onde tais requisitos são praxe. Elas passam agora por treinamento para aprender a "agir com naturalidade", não perder a pose em nenhuma circunstância, equilibrar bandejas de maneira impecável e até sorrir harmoniosamente. As melhores serão convocadas para o topo da prestação de serviços olímpicos: receber os noventa visitantes vip (do presidente George Bush à realeza européia) e participar da entrega de medalhas.

A cartilha com "Os dez mandamentos olímpicos" inclui desde atos rotineiros, como não jogar lixo no chão, até a recomendação para não vender nem comprar produtos olímpicos piratas (justamente na China...). Por decreto, foi instaurado o 22 de cada mês como o "dia de ceder lugar" a idosos, grávidas e deficientes físicos. O 11 é o "dia da fila", em que se devem substituir cotoveladas e empurrões habituais pela ordem de chegada. "Escolhemos o dia 11 porque o número corresponde à idéia de fila, com um atrás do outro", explica a diretora do peculiar Gabinete de Educação Moral e Desenvolvimento Ético de Pequim, Zhang Huiguang. "O programa tem funcionado", garante Fu Mei, estudante e instrutora de fila voluntária. "As pessoas percebem que fica feio destoar." O hábito mais combatido no novo manual de boas maneiras é o milenar ritual de escarrar a toda hora, em qualquer lugar, bastando existir o mais remoto sinal de substância expectorante (se algo dentro de você não lhe faz bem, é preciso pôr para fora, prega a medicina chinesa). Contra as cusparadas, uma das "quatro pragas" comportamentais a ser erradicadas, sendo as outras fumar, furar fila e falar palavrão, todo dia é dia de campanha, apoiada na distribuição de saquinhos higiênicos por voluntários. "Não é para parar de cuspir. Podem cuspir no saquinho e jogar no lixo", explicou a VEJA Lu Ying, funcionária do Serviço de Saúde Pública de Pequim. Cuspidores contumazes pagam multa de 50 iuanes (12 reais), aplicada pelos "vigilantes do civismo", que, câmeras de vídeo em punho, patrulham zonas turísticas em carros de polícia. "Queremos promover um estilo de vida mais civilizado", resume Lu Ying. Aos estrangeiros que ficam com arzinho de superioridade diante do que parece a ingenuidade dos esforços, recomenda-se checar, pela bilionésima trimilionésima vez, o tamanho do crescimento da China.

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