Apenas vivem, satisfeitas com o que têm, sem desejos maiores, achando, talvez sabendo, que a vida é simples |
GOSTO MUITO de ir a restaurantes sozinha, sobretudo quando estou fora do Brasil, e ficar olhando as pessoas. Há uns tempos fui a um, e numa mesa perto da minha dois casais almoçavam.
Um era jovem, o outro bem mais velho. Comeram bastante, com prazer, falaram bastante sobre a comida e o vinho, e quando o almoço terminou, a mais velha botou o cotovelo na mesa, e apoiou a cabeça na mão, perfeitamente à vontade.
Via-se que ela devia ter sido bonita, mas não muito; ele era daqueles homens que não ficaram feios: nasceram feios. Meio gordo, nariz enorme, careca, de óculos, até a mãe deve ter levado um susto quando ele nasceu.
Não paravam de conversar, e uma hora ela encostou a cabeça no peito dele, e fechou os olhos; ele passou o braço em volta do ombro dela e continuou conversando com o casal. Foram gestos naturais, que provavelmente aconteciam com freqüência, e dava para ver como eles se sentia confortáveis, juntos. O almoço acabou, pediram a conta e saíram naturalmente, sem mãos dadas, sem abraços, nada. Tudo normal. E fiquei pensando em como devia ser bom aquele casamento.
Não é qualquer mulher que tem a naturalidade de encostar a cabeça no peito do marido, e também não é qualquer homem que responde ao gesto passando automaticamente o braço em volta do ombro da mulher, sabendo que é isso que ela está querendo. Era uma intimidade -via-se- que vinha de anos, uma intimidade dos corpos, e duvido que algum dia eles, que pareciam pessoas simples, tivessem discutido a relação. A vida deles devia ser boa, sem complicações, sem ciúmes, e viajei, pensando em como seria.
Eles deviam morar nos arredores de Paris, numa casa pequena, com um pequeno quintal, onde talvez houvesse algumas galinhas. Não liam jornal e depois do jantar -ela devia ser uma ótima cozinheira- viam um pouco de televisão, só um pouco, pois dormiam cedo. Ela subia primeiro -a casa, pequena, era de dois andares-, e quando ele chegasse ela já estaria debaixo do edredon, talvez já dormindo. Mas mesmo assim, a memória do seu corpo fazia com que ela se aconchegasse a ele, e assim dormiriam, sem preocupações, sabendo que o dia seguinte seria igual ao da véspera, e que em alguns domingos fariam alguma coisa de mais extraordinária, tipo ir almoçar fora com um casal amigo. E por falar em amigo, via-se que eles eram amigos; que podiam contar com o outro em qualquer circunstância, e essa é a melhor certeza do mundo. Ter um companheiro que é também amigo.
Fiquei pensando: será que eles sabiam o quanto eram felizes? Penso que não. Quem é feliz não pensa nessas coisas de felicidade; apenas vivem, satisfeitas com o que têm, sem desejos maiores, achando, talvez sabendo, que a vida é simples, e que quem sabe disso não precisa de nada além do que tem, e ficariam muito espantados se soubessem como é a vida de tanta gente, querendo coisas, desejando sempre mais, no fundo por não terem o essencial.
Como a vida pode ser simples; como a vida pode ser complicada. E tive a impressão de que eles eram felizes porque nunca pararam para pensar nisso.