O primeiro golpe que o atual governo lhe desferiu, em abril do ano passado, foi a sua transferência do Ministério do Planejamento, ao qual se vinculava desde 1966, dois anos depois de sua criação, para o Ministério de Assuntos Estratégicos, como foi rebatizada a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo (Sealopra) entregue ao flexível filósofo Roberto Mangabeira Unger. O deslocamento servia a duas intenções: dar um mínimo de conteúdo ao chamado Ministério do Futuro e começar a solapar a autonomia indissociável da história do Ipea. Ainda sob o regime militar, a sua posição de destaque no Executivo e a qualidade dos seus trabalhos, que não raro contestavam as verdades oficiais, deram-lhe visibilidade e o projetaram à condição de consciência crítica nacional.
O segundo estrago foi a nomeação, em agosto, do economista Márcio Pochmann, mais conhecido por sua ideologia estatista do que por suas luzes acadêmicas. Três meses depois, ele fez o que nem sequer os generais ousaram contra os pesquisadores da instituição não-alinhados com o governo: expurgou quatro economistas - Fábio Giambiagi, Otávio Tourinho, Gervásio Castro de Rezende e Régis Bonelli - cujos textos, lastreados em análises objetivas, desagradavam ao lulismo, em especial quando advertiam para os efeitos da gastança federal. Agora, veio a terceira marretada para pôr abaixo a instituição. Acabando com uma tradição que remonta à década de 1980, o Ipea deixa de divulgar a sua Carta de Conjuntura, com projeções atualizadas a cada três meses do desempenho da economia.
Doravante, haverá uma única divulgação anual, em março, isso se as previsões anteriores se revelarem equivocadas. Não é uma questão trivial: as atualizações eram uma referência para os agentes econômicos e a sociedade em geral. Naturalmente, a periodicidade trimestral, numa quadra de inflação maior e crescimento menor, pode ser um estorvo para um governo que costuma apregoar que tudo vai no melhor dos mundos possíveis; melhor ocultar a realidade. A diretoria do Ipea apresentou duas "justificativas" para a supressão.
Uma, "não gerar especulações no mercado financeiro", segundo um dos coordenadores do Grupo de Análises e Previsões da instituição, Miguel Bruno. Ele ainda se permitiu a irresponsabilidade de acusar diretorias anteriores do Ipea de atuar "em dobradinha" com o mercado financeiro. Ele e seus companheiros devem - ou deveriam - saber que a especulação varia na razão inversa da informação: quanto menos conhecidos os dados sobre os rumos da economia, mais se beneficiam os especuladores. O segredo alimenta boatos e estes movem a especulação.
Outra justificativa é que, "por orientação do presidente da República", o Ipea deve se concentrar no longo prazo. Quem tenha um mínimo de familiaridade com o estudo da economia sabe que as concepções de longo prazo não prescindem do acompanhamento sistemático do cenário econômico. Abolido este da agenda de trabalho, a prospecção do futuro passa a depender da bola de cristal. Ou do papel que aceita tudo, a exemplo do livre-pensar que faz o gosto de Mangabeira Unger.
Por sinal, ele quer que se acredite que a decisão que ajuda a esvaziar o Ipea foi tomada pela diretoria do órgão, à sua revelia, como se o órgão não estivesse pendurado no seu Ministério. Dele, tudo se pode esperar. Afinal, ele é aquele que, tendo afirmado, em artigo assinado, que o governo Lula, que "corrompeu e esvaziou as instituições", "é o mais corrupto da história", é hoje ministro desse mesmo governo, encarregado, entre outras coisas, de violentar instituições que ousem perturbar o "momento mágico que o Brasil vive hoje", sob o comando impecável daquele mesmo Lula.