Tudo indica que estamos diante do que o economista Marcelo Néri classifica de “Ciclos Políticos de Negócios”, um período pré-eleitoral quando o governo utiliza políticas monetárias, fiscais e cambiais com claros objetivos político-eleitorais, para proporcionar um ambiente positivo capaz de influenciar o resultado das urnas. O governo decidiu adiar para depois das eleições, pela impopularidade flagrante, a votação da criação da CSS, o novo imposto que substituirá a falecida CPMF, por impossibilidade de aprová-la agora no Senado, depois de ter conseguido a aprovação na Câmara por apenas dois votos. Da mesma maneira, desistiu de tomar medidas mais efetivas para controlar a inflação, que pode bater no teto superior da meta, depois de uma reunião no Palácio do Planalto de onde, esperava-se, sairia a decisão de aumentar o superávit primário de verdade para cortar o gasto público.
O presidente já foi avisado por economistas de fora do governo, como Luiz Gonzaga Belluzzo e Delfim Netto, que a trajetória do déficit de contas correntes é perigosa, e tende a se agravar pela valorização do real com a concessão do grau de investimento, pois a entrada de dólares no país aumentará, estimulada também pela política altista de juros, único instrumento que restou ao Banco Central para conter a inflação.
Em dois anos, saímos de um superávit de 1,5% do PIB para um déficit da mesma ordem. Depois de mais de quatro anos de superávits sucessivos, em janeiro deste ano registrou-se o primeiro déficit em transações correntes no acumulado de 12 meses, de US$ 1,169 bilhão, equivalente a 0,09% do PIB. Em março, a conta corrente foi negativa em US$ 4,232 bilhões, resultado próximo do déficit de US$ 4,95 bilhões de outubro de 1998, o que fez com que o então presidente Fernando Henrique Cardoso fosse reeleito naquele ano, mas tivesse que desvalorizar o real logo no início do seu segundo mandato.
A projeção de déficit este ano começou com US$ 3,5 bilhões e já está em US$ 23 bilhões. A previsão para o saldo da conta corrente em 2009 é de um déficit de US$ 30,95 bilhões. Também a demanda de consumo teria que ser freada, mas o governo resiste à idéia de conter os financiamentos de longo prazo que estão proporcionando uma sensação de conforto à população que gera popularidade, mas também inflação.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chegou a anunciar que tomaria medidas para dificultar crediários muito longos, e desistiu porque sofreu séria reação da indústria, especialmente a automobilística, e também do presidente, que não quer frear o crescimento econômico, empurrado pelo consumo interno.
O cientista político Jairo Nicolau, do Iuperj, um dos maiores especialistas em análise eleitoral, não vê relação entre a política nacional e a local nas eleições municipais, e diz que desde 1992 as tentativas de nacionalização das eleições municipais têm sido desastrosas para quem as fez. Mas tudo indica que o presidente Lula está fazendo um esforço político para transformar as eleições municipais deste ano em um plebiscito sobre o seu governo, preparando o terreno para tentar montar uma chapa competitiva em 2010 com o PT e o maior número possível de aliados.
Já tivemos exemplos clássicos de medidas econômicas que foram adiadas para vencer as eleições, e os dois mais famosos são o Plano Cruzado, em 1986, e a desvalorização do Real em 1999. O Plano Cruzado, lançado pelo governo Sarney em fevereiro de 1986, teve a duração de nove meses e foi substituído pelo Plano Cruzado II, seis dias depois de o governo ter obtido a maior vitória eleitoral da história da República: elegeu a totalidade dos governadores, e quase dois terços da Câmara e do Senado e das Assembléias Legislativas.
Com os salários congelados havia nove meses, a população teve aumentos num só dia de 60% no preço da gasolina e 120% dos telefones e energia, entre outros.
Meses antes, acontecera a famosa “reunião de Carajás”, onde os economistas que haviam feito o Plano Cruzado tentaram convencer o presidente Sarney a fazer os reajustes necessários.
Ao desembarcar, o presidente foi recebido com o grito de um trabalhador: “Sarney, você é Deus”. Sarney garante que nunca deixou de tomar medidas que considerasse necessárias, mas o fato é que não havia mais consenso entre os economistas e Sarney preferiu manter tudo como estava.
“Foi o meu maior erro no governo”, admite Sarney hoje.
Em 1998, candidato à reeleição, também Fernando Henrique Cardoso sucumbiu à tentação de não fazer nada para manter o clima favorável que o câmbio fixo proporcionava.
Como agora, e como em 1986, também naquela ocasião não havia consenso sobre o que fazer. “Algumas pessoas pregavam o câmbio livre; outras, o controle do câmbio. A oposição queria o controle de câmbio. Eu não”, relembra Fernando Henrique em uma entrevista.
Segundo ele, faltaram dois pressupostos para que a política cambial anterior pudesse ir até o fim garantindo a estabilização com desenvolvimento.
“Um era o ajuste fiscal, o outro, a existência de capitais abundantes e disponíveis no mundo”. O expresidente garante que, no que dependia do governo, se empenhou pela aprovação das reformas que permitiriam um equilíbrio fiscal, mas não teve êxito em reformas como a da Previdência.
Como nada mudou no panorama econômico internacional, que só faz se agravar, é provável que as medidas amargas venham depois das eleições municipais, para que o governo não tenha que enfrentar a eleição de 2010 em situação econômica difícil.
Entrevista:O Estado inteligente
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