O Globo |
25/6/2008 |
Com a decisão da Justiça Eleitoral de embargar as obras do Morro da Providência, caracterizando-as como mera propaganda de um dos candidatos à prefeitura do Rio, o bispo Marcelo Crivella, fica esclarecida uma das pontas da polêmica atuação de tropas do Exército no projeto assistencialista Cimento Social. O fato de ter partido do juiz responsável pela fiscalização da propaganda eleitoral a ordem para parar a obra explicita a inadequação da presença do Exército naquele local com a função de dar proteção aos operários. Não está em discussão, nessa decisão de agora, se o Exército está ou não capacitado para essa tarefa, nem se é inconstitucional sua presença na manutenção da segurança pública. O juiz Fabio Uchoa apenas identificou a utilização propagandística ilegal no programa proposto pelo bispo Crivella, o que pode ser constatado nos "santinhos" que distribui e no site da internet de sua campanha eleitoral. Só não é inexplicável a insistência nessa presença, mesmo depois da tragédia sem precedentes que ela gerou, pela necessidade do governo de não admitir que errou ao participar, através dos Ministérios da Defesa e das Cidades, desta farsa eleitoreira do aliado político preferido do presidente Lula na disputa pela prefeitura do Rio. Com militares entregando para a morte a uma quadrilha rival do Morro da Mineira três rapazes da comunidade da Providência, em represália a um suposto desacato, ficou caracterizado o perigo de colocar o Exército nos morros em uma posição subalterna, de protetor territorial para a execução de obras de mera maquiagem política. O Exército, sem função definida de repressão ao tráfico de drogas, que continuou intocado em outras regiões da favela, acabou gerando nos moradores do local desprezo e frustração pela passividade com que assistia à atuação dos traficantes armados. Mas, se o ministro da Defesa, Nelson Jobim, erra ao insistir em dizer que os militares voltarão a ocupar o morro se o projeto for retomado, ele acerta quando insiste na necessidade de participação das Forças Armadas na garantia da ordem pública. Diante do quadro nacional cada vez mais grave da falta de segurança pública, especialmente no Rio de Janeiro, é imprescindível que se encontre uma maneira de usá-las na garantia da lei e da ordem, atividade que já é prevista na Constituição e que a maioria dos militares e o próprio ministro da Defesa consideram necessário regulamentar. O advogado Vladimir Reali, especializado em segurança pública e que atua junto ao Supremo Tribunal Federal, diz que não há mais necessidade de regulamentação, pois, segundo ele, a lei complementar 117, de autoria do senador César Borges, sancionada em setembro de 2004, confere às Forças Armadas "com todas as letras" o poder de polícia que alegam que elas não têm. Em decorrência da nova lei, no final daquele ano, o presidente Lula transformou a Brigada de Infantaria Blindada com sede em Campinas em Brigada de Infantaria Leve para atuar "na garantia da lei e da ordem". São 4.500 homens que estão sendo preparados para intervenção em conflitos, e lá há cenários de favelas onde os militares treinam todo tipo de combate naquela situação. Para o advogado, se chegarmos à conclusão de que os militares não podem atuar em segurança pública, temos que mudar a Constituição e acabar com as polícias militares, cujos integrantes são julgados pela Justiça Militar quando cometem infrações no exercício de policiamento civil, têm Previdência militar, são reserva do Exército no seu conjunto. Como é possível que uma força auxiliar possa realizar missões de policiamento civil, e o Exército não?, pergunta o advogado Vladimir Reali. Nessa lei, estão previstas também ações subsidiárias como cooperação com órgãos em relação a obras de engenharia. A lei prevê, por exemplo, uma ação preventiva e repressiva nas áreas de fronteiras, inclusive podendo realizar patrulhamento, revista em pessoas e em veículos terrestres, embarcações, aeronaves, e até prisões em flagrante. Embora Vladimir Reali diga que não existe nenhuma ação de inconstitucionalidade no Supremo, o Exército não se considera seguro para atuar na segurança pública com base na lei complementar, pois muitos consideram que apenas através de uma emenda constitucional esse papel das Forças Armadas poderia ser definido. É consenso entre os militares que as Forças Armadas não têm amparo legal para atuar nessas operações, e mesmo o poder de polícia que foi dado ao Exército nas áreas de fronteira é contestado por alguns juristas. Há também a questão política do relacionamento entre os membros das Forças Armadas, especialmente o Exército, e os das Polícias Civil, Militar, Federal e até mesmo Rodoviária em operações de segurança pública. O Exército não abre mão de comandar as operações conjuntas, embora admita que cada força tem suas características e atua melhor em determinado tipo de ação. Por essas questões é que o ministro da Defesa acha que o assunto deve ser discutido pela sociedade, através do Congresso, para que seja aprovada uma legislação que responda às necessidades da maioria da sociedade. Mas, dificilmente essa questão será solucionada ainda este ano, pois a campanha municipal impedirá que o debate se realize, por falta de tempo e de ambiente propício, agora que o tema foi contaminado pela mistura com a política eleitoral. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, junho 25, 2008
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