Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 22, 2008

DANUZA LEÃO No que dá ter juízo



Uma turma de desanimados, pois não temos mais coragem de beber além da conta, de falar bobagens

TENHO OUVIDO, cada vez mais, homens e mulheres reclamando da vida, dizendo que estão achando tudo chato, que são pouquíssimas as pessoas com quem querem conversar; sair, nem pensar.
Uma vez a cada 15 dias, para não virar bicho do mato de vez, aceitam ir jantar fora com dois, três amigos, e voltam dizendo "eu não tinha nada que ter ido, já sabia que ia ser uma chatice, da próxima não vou mais".
Jantares com mais gente, esses não há hipótese, e se houver pessoas famosas por serem interessantíssimas, mas que você não conhece, aí é que não vai mesmo.
Não há show de Chico Buarque, João Gilberto, Caetano, que entusiasme essa gente. Ah, o flanelinha, ah, a multidão, ah, a confusão da saída; e se alguém propusesse que um desses cantores fizesse um show só para ele, alguma desculpa seria arranjada para não querer. A única coisa que os agrada é ficar em casa, vendo televisão ou lendo um livro, de preferência sós. Mas os que trabalham em alguma coisa interessante têm uma saída: falar de trabalho. A vida vai ficando cada vez mais difícil, as pessoas cada vez mais sós, mas nem por isso infelizes. Qualquer coisa, menos estar com gente.
Dá para entender? Pensando bem, até que dá.
Houve um tempo em que essas mesmas pessoas eram a alegria das festas; dançavam, diziam bobagens, eram engraçadas, todo mundo gostava delas, o telefone não parava de tocar, e a vida era muito divertida. O que aconteceu então? A idade que chegou? Não necessariamente, pois existem reclusos em todas as faixas etárias. As festas são menos animadas? Para eles são, mas há gente que não perde uma e acha todas ótimas.
Mas então que história é essa de não querer sair, não querer ver gente, não querer conhecer ninguém novo, nem -e sobretudo- Gisele Bündchen? Ah, os mistérios dessa vida.
Aí comecei a prestar atenção a essas pessoas, para saber em que elas mudaram -sim, porque está claro que foram elas que mudaram. O mundo continua o mesmo.
Lembrei de cada uma delas, pensando que nenhuma tinha responsabilidades, empresas, mulher, ex-mulher, filho. Todos podiam ir à praia, e há alguma coisa mais irresponsável do que passar a manhã pegando sol e dando um bom mergulho? E uma pessoa queimada de sol pode ser infeliz? Abaixo os dermatologistas, em primeiro lugar a felicidade.
Qual foi a mudança que aconteceu com cada um deles, que se tornaram preocupados com o futuro, com a bolsa, se subiu ou desceu, com os países asiáticos, com o futuro da China?
É que naqueles ótimos tempos ninguém tinha juízo. A vida corria mansa, sem uma só preocupação com o o futuro -futuro? E isso existia?-, mas com o tempo fomos ficando responsáveis e ganhando juízo.
De tanto ouvir nossos pais dizendo "essa menina precisa criar juízo", criamos, e somos hoje uma turma de desanimados, quase deprimidos, pois não temos mais coragem de falar bobagens, cobiçar ostensivamente a mulher do próximo, beber além da conta, dar um grande vexame, e sobretudo, sobretudo, deixar de ir ao trabalho numa quarta-feira para ir à praia, porque criamos juízo.
Como era bom o tempo em que não tínhamos nenhum.

danuza.leao@uol.com.br

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