O Estado de S. Paulo |
24/6/2008 |
O gesto dos Tribunais Regionais Eleitorais de confrontar recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral, mantendo a disposição de negar registro aos candidatos processados - os chamados “fichas-sujas” - é louvável, didático, bem-intencionado e necessário. Mas, partindo do princípio de que promessa boa é promessa passível de ser atendida, se essa excelente intenção não for administrada com equilíbrio e muita ponderação, pode se transformar em mais uma das inúmeras frustrações da população com a credibilidade do agente público. Além de dar margem ao exercício demagógico do oportunismo e, no fim, acabar resultando na desmoralização de uma instituição (o Judiciário) em alta nas pesquisas de confiabilidade. Em tese, os TREs estão certos. É no enfrentamento das normas tortas que os costumes evoluem. A lei hoje exige ficha limpa ao candidato a funcionário público, mas deixa de fora o político postulante a mandato eletivo que, além de bom salário, lhe dá imunidade, foro especial de Justiça e um ambiente de trabalho altamente corporativista. Com base no texto da lei, o TSE resolveu que os processados não condenados estão liberados para disputar. Os presidentes de tribunais regionais se reuniram, deram o contra e anunciaram que por eles os donos de graves prontuários não passarão. O argumento do mais antigo batalhador dessa causa, o presidente do TRE do Rio, desembargador Roberto Wider, é irretocável: ou se faz alguma coisa, começando por aplicar o princípio da moralidade às eleições, ou seremos todos coniventes com a crescente ocupação dos Parlamentos por gente legal e moralmente inabilitada a ocupar um posto de escriturário. Não apenas não se discute que os desembargadores têm toda razão, como soa saudável a intenção da Associação dos Magistrados Brasileiros de dar publicidade à ficha de cada um dos postulantes a excelência. O eleitorado, é claro, aplaude. Tanto é assim que os partidos, constrangidos, já começaram a se manifestar, prometendo orientar seus diretórios a fazer uma triagem mais rigorosa de candidatos. Vários assinaram compromissos e o DEM pôs a regra por escrito. Muito bem, o amor de fato é lindo, mas há a vida, uma poderosa inimiga das boas intenções quando tem a realidade como aliada. E esta aconselharia prudência aos pregadores da boa causa, pois estão mexendo com o resquício de esperança de um desesperançado eleitorado. Não se trata de defender a paralisia, mas a moderação, o discernimento, a transparência e a franqueza. Até aqui, houve ganhos. O assunto foi posto em debate e, com ele, a pressão começou a andar. E a tropeçar. A posição do TSE deixou muito claro que a vontade e o rigor dos tribunais regionais são insuficientes para ultrapassar a barreira da lei. Depois, o presidente do Tribunal Superior, voto vencido no veto aos “fichas-sujas”, Carlos Ayres Britto, admitiu que a pretendida divulgação dos prontuários para este ano é inexeqüível. Em cima da hora, argumenta, os partidos não conseguiriam fornecer a tempo informações sobre a vida pregressa dos candidatos. Para 2010, diz o ministro, a transparência está assegurada. Ora, se os partidos alegam que não “conseguem” dar à Justiça todas as informações - o que é uma falácia -, como podem prometer ao eleitorado que farão suas triagens? Não podem, inclusive porque as chapas estão formadas, já foram aceitas pelas respectivas legendas. Alguém acredita em processos de expurgo a esta altura? Não apenas não haverá a seleção prometida, como a necessidade já se impõe, na prática, sobre ela. Tomemos, por exemplo, a fotografia do candidato Fernando Gabeira pós-convenção no fim de semana no Rio, comemorando de braços levantados por ninguém menos que o deputado estadual José Camilo Zito. Campeão de votos na Baixada Fluminense, Zito é processado por improbidade, desvio de verbas do SUS e contratações indevidas. Isso para falar de fatos, deixando de lado as lendas sobre métodos violentos que há anos o acompanham. E do alto de qual tribuna hoje prega Zito? Da presidência regional do PSDB do Rio de Janeiro. Com quatro processos nas costas. Se o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra, levar ao pé da letra sua disposição de rejeitar os processados, terá de começar pela direção. Como em público não diz que não quer Zito porque não abre mão dos votos dele nem vai criar confusão onde não precisa, essa conversa de triagem é só um artifício. No PSDB e em todos os outros partidos que aqui também encantam serpentes. Iludem o eleitor prometendo uma mercadoria que jamais pretenderam entregar. Com isso, cavam mais fundo o fosso da desmoralização. À Justiça Eleitoral conviria manter distância das bravatas, do açodamento e do voluntarismo, a fim de não se associar aos políticos no logro, não induzir o eleitor à falsa expectativa e, sobretudo, não sair por aí como novo rico a desperdiçar o capital de confiabilidade recentemente acumulado. |
Entrevista:O Estado inteligente
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