Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 28, 2008

África O Zimbábue resume a ruína do continente

O flagelo da África

A fraude eleitoral, a violência e a miséria no Zimbábue
resumem o fracasso da maioria dos países do continente


Thomaz Favaro


Alexander/Joe/AFP
Robert Mugabe, em campanha em Harare, e, abaixo, na África do Sul, fotos de vítimas da ditadura no Zimbábue: um ditador com muitos amigos
Gianluigi Guercia/AFP

O caos e a violência no Zimbábue podem ser examinados como uma metáfora dos flagelos que fazem da África o continente com a maior concentração de países miseráveis. No epicentro dessa devastação está um presidente larápio, sustentado por um discurso nacionalista e pela complacência de outros países africanos. Esse déspota é Robert Mugabe, presidente do Zimbábue desde a criação do país, em 1980, reeleito na sexta-feira passada num segundo turno em que era o único candidato. O ineditismo de uma segunda rodada com um só concorrente deve-se à truculência com que o governo investiu contra a oposição nos últimos dois meses. Depois de cinco semanas durante as quais se recusava a divulgar o resultado do primeiro turno (seu adversário, Morgan Tsvangirai, líder do Movimento para a Mudança Democrática, tinha vencido com 48% dos votos), Mugabe iniciou uma campanha de violência contra a oposição de dimensões raras vezes presenciadas fora da África. Tsvangirai foi preso várias vezes. Pelo menos 2 000 de seus partidários foram igualmente parar na cadeia. Outros oitenta foram assassinados por esquadrões da morte a serviço do governo. Mais de 200 000 pessoas tiveram de fugir de casa para escapar à perseguição. Às vésperas do pleito, num crescente frenesi de crueldade, as esposas de dois oposicionistas preeminentes foram mutiladas a facão e queimadas vivas. A retirada da candidatura de Tsvangirai, que se refugiou na Embaixada da Holanda, foi uma tentativa de interromper a chacina.

Robert Mugabe segue à risca a cartilha do déspota africano. O surpreendente é que continue a agir dessa forma sem ter se tornado um pária entre as nações do continente. Durante três décadas, ele enxugou todo vestígio de liberdade e arruinou o país. "Somente Deus, que me elegeu, pode me tirar daqui", disse Mugabe antes do segundo turno das eleições. O Zimbábue é o campeão mundial da instabilidade econômica. Nos últimos oito anos, movido por uma fúria de populismo racista, Mugabe tomou a terra de fazendeiros brancos e a distribuiu entre aliados políticos. A medida arruinou a agricultura. Em dois anos, a produção de cereais caiu 70% e a população passou a depender de doações externas. A taxa de inflação ultrapassa 165.000% ao ano. Com um índice de 80% de desemprego, milhões de zimbabua-nos fugiram para a vizinha África do Sul em busca de vida melhor. Enquanto o país afundava na miséria, Mugabe cuidava de desviar para as suas contas no exterior os recursos vitais para o desenvolvimento. Muitos desses bens foram congelados nos últimos anos pelos governos dos Estados Unidos e da União Européia.

Os abusos foram tantos que até outros governantes africanos, que em geral olhavam para outro lado enquanto Mugabe roubava nas eleições, desta vez estão reclamando. Os presidentes de Zâmbia, Angola, Ruanda e Senegal criticaram as fraudes na votação. Desmond Tutu, o sul-africano ganhador do Prêmio Nobel da Paz, descreveu Robert Mugabe como "uma caricatura do ditador africano". Infelizmente, a onda de indignação não atingiu o presidente Thabo Mbeki, da África do Sul, que prefere uma "diplomacia silenciosa" a críticas abertas. A África do Sul é uma potência econômica e militar em termos africanos, mas se recusa a usar sua influência para conter os excessos do vizinho. Mugabe parece ter entrado na esfera de descrédito internacional pela qual já perambularam Mobutu Sese Seko, ditador que roubou 6 bilhões de dólares do Congo, um dos países mais pobres do planeta, e Jean-Bédel Bokassa, o centro-africano que se declarou imperador e, consta, tornou-se canibal. O rechaço a Mugabe não é o fim de uma espécie, apenas o ostracismo de um tirano que exagerou.


Issouf Sanogo/AFP
Soldados no Chade: estado falido

A complacência para com o presidente do Zimbábue durante tanto tempo diz muito sobre as raízes do fracasso social, político e humano da maioria dos países da África. Um ditador africano está livre para roubar e matar até que um desafeto tome, pela força, seu direito de roubar e matar. Uma extrema relutância em mexer nas fronteiras artificiais herdadas do colonialismo ou em violar a soberania dos países ajuda a paralisar a maioria das ações coletivas contra atrocidades na África. Mbeki vê Mugabe como um companheiro de viagem, devido ao apoio dado ao Congresso Nacional Africano durante a luta contra o apartheid. O discurso vagamente socialista de Mugabe também tem boa ressonância em ouvidos desavisados. Ele é um dos pais da independência africana. Nesse aspecto, sua trajetória foi similar à de muitos heróis anticolonialistas, convertidos em ditadores cruéis e cleptomaníacos.

A combinação de caos econômico, violência e falta de liberdade política é o que coloca o Zimbábue como um dos onze países africanos no topo da lista dos estados falidos. Esse ranking classifica as nações segundo critérios objetivos de estabilidade social, econômica e legitimidade política. Sobem na lista negativa aqueles em que as fraudes retiram legitimidade das eleições, a lei não sai do papel, os serviços públicos são ineficientes ou de má qualidade e a violência está fora de controle. "Em muitos desses países, a presença do estado não vai além da capital e de um punhado de pequenas cidades", disse a VEJA a cientista política americana Pauline Baker, presidente do Fundo para a Paz, nos Estados Unidos, organização que elabora o ranking, com a revista Foreign Policy. Na Somália, o primeiro colocado, não há governo desde 1991, quando o regime socialista desmoronou e clãs rivais passaram a disputar o poder. No Sudão, em segundo lugar, um genocídio é patrocinado pelo governo controlado por fanáticos islâmicos. O Zimbábue está na terceira colocação. A denominação de estado falido é uma constatação do presente e não uma praga do destino. A posição desonrosa pode ser creditada inteiramente na conta de Mugabe, o protótipo do clepto-presidente africano.

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