Lula fez mais uma reunião para analisar medidas contra a inflação, desta vez convidando economistas fora do governo. Quer ouvir mais opiniões, arejar um pouco o debate, sair do círculo oficial que ainda não se entende. E os economistas “leigos”, com mais acerto ainda, propuseram, além do que já se provou, maior corte nos gastos oficiais e mais rigor no crédito para desaquecer uma demanda acima da produção. O senador petista, Aloísio Mercadante, foi mais longe, condenou a proposta do governo de recriar a CPMF sob outra forma, pois, como a coluna havia registrado, isso simplesmente vai provocar mais pressão sobre os preços. Só os ingênuos não acreditam que imposto é custo e será sempre repassado para os preços.
Além disso, insiste a coluna, a arrecadação não pára de crescer, mais 11% em maio, e o emprego formal continua supera recordes anteriores, mais 15% até maio, gerando mais receita para o governo, deduzida na folha de pagamento insonegável.
Por que mais imposto, então, pergunta Mercadante? Se for para a saúde, ela já terá, em tese, recursos, pois, com o aumento da arrecadação, poderá receber os seus 10% da receita fixados na Constituição. Mas será que recebe?
Mais emprego formal, porém, significa também mais renda, mais demanda e pressão sobre os preços, um desafio a enfrentar, difícil mas aceitável. Os economistas independentes apontam o caminho: aumento substancial da produção, principalmente agrícola, menor facilidade de crédito e corte dos gastos públicos que incentivam a demanda.
LULA ACERTA DE NOVO, MAS... AINDA É POUCO
Dessas medidas, o presidente aceitou apenas o reajuste do juro básico, financiamento de R$ 78 bilhões para aumentar a produção agrícola e um leve corte nos gastos. “Estamos preparando uma grande safra”, afirma o ministro da Fazenda, GuidoMantega. Ótimo, esse é um caminho importante, mas não suficiente. Mesmo com maior oferta, se o crédito ao consumidor continuar fácil, ele continuará comprando mais, acima até do que precisa, para estocar, temendo que as coisas mudem. É o que já está fazendo hoje.
SEM TRUQUES
O presidente foi feliz ao rejeitar com firmeza, na reunião, medidas esdrúxulas como congelamento de preços; fracassaram no passado, levando-nos à hiperinflação de 2.000% e aos tresloucado Plano Collor.
O governo precisa ficar atento para o fato de que nada mudou no curto prazo. No curto prazo, se a inflação aumentar muito, provocando uma possível redução das vendas, as lojas e os supermercados vão oferecer créditos mais longos para conter as perdas. Hoje, elas já vendem com prazos de 10 meses... e pelo cartão.
Mas e o aumento dos juros? Será em parte contornado pelo a extensão do prazo.
Nosso consumidor é complacente com os juros, desde que as prestações mensais de enquadrem no seu salário e na sua renda; o preço final pouco afeta sua decisão, mesmo porque, argumenta, jamais poderia comprar sua televisão ou geladeira à vista.
É esse círculo vicioso que o governo precisa romper. Estimular o aumento da produção é vital, mas ela só trará efeitos a médio e longo prazos, quando entrar no mercado. Nesse interregno, não há muitas saídas a não ser desaquecer a demanda, hoje excessiva.
Esse interregno entre produção e consumo explica a inflação acima de 12% em 12 meses até junho. Será que ela vai recuar no segundo semestre? Não, se nada mais sério for feito agora. Afinal, em junho já estamos com 1,96% (IPG-10).
FALTA CONFIANÇA, PRESIDENTE
No fundo, presidente, apesar dos seus pronunciamentos, até mesmo furiosos, a impressão é de que o povo ainda não confia nas medidas anunciadas e não acredita que elas vão conter a inflação. Ele vê os preços aumentando e declarações contraditórias de sua equipe sobre a inflação ser passageira ou não. Tudo isso não inspira confiança, não, presidente. E, nesse assunto, a confiança é vital.
Mais ainda, o povo vê na televisão e lê nos jornais que nada mudou nos últimos meses, petróleo aumentando, feijão e arroz com altas de quase 20% e até o preço do pãozinho continua subindo. Não dá para ele entender que essa inflação é passageira. Não dá mesmo. E se ele não acreditar que não precisa comprar logo, antes que o preço suba, tudo está perdido.
FALTA COMANDO, PRESIDENTE
Presidente, sei que o senhor está na linha de frente nessa luta contra a inflação, mas falta comando prático, efetivo, para fiscalizar se as decisões aprovadas se concretizam. Isso exige um trabalho diário de acompanhamento, que foge ao seu alcance.
O dinheiro para os agricultores está sendo liberado em tempo? Ele precisa de mais alguma coisa? Se a safra crescer muito, como se planeja, há transporte, há estradas, há armazéns suficientes? A safra chegará em tempo aos centros de consumo, ou ficará em parte retida no campo esperando que os preços aumentem ainda mais aqui e no exterior?
O presidente está hesitando em cortar gastos e despesas, que alimentam a demanda, teme desacelerar muito a economia. Não vai, não. Ela está vindo forte, 5,8%, e se recuar para até 4,5%, por exemplo, não será nada muito grave.
Ainda estaremos crescendo mais do que os Estados Unidos e a Europa, juntos. Menos que a China, mas lá a inflação está em 8%. Não vai dar. O governo chinês mesmo já está jogando água fria no crescimento da economia, que expele vapor por todos os lados.
Presidente, a inflação é um processo insinuante e infernal que se auto-alimenta. Ela vai se infiltrando sorrateiramente nos preços. Já existem hoje abusos, excessos, o valor dos aluguéis subiu 1,83% em junho, como a inflação, acima do reajuste de 1,54% em maio.
Tudo está aumentando, presidente. Isso exige uma ação urgente não só sobre os preços, mas as causas imediatas que só foram atacadas via juros.
MAIS REUNIÕES?
Antes de reuniões, é preciso ação que convença o povo, o consumidor, onde tudo começa e acaba, de que o governo tem as rédeas na mão. Mais e mais ainda: que as medidas aprovadas nessas reuniões, que se sucedem, estão sendo efetivamente postas em prática.
E isso não será fácil. Só a criação urgente de uma força-tarefa supraministerial, com centralização de comando e poder de fiscalizar dia a dia o que foi decidido e o que está sendo feito.
Ou isso, ou a inflação que aí está, e não é passageira, vai nos envenenar.
Assinado, sem medo: “o terrorista da inflação”.
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