Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 27, 2008

Clóvis Rossi - Ruth e a "soberania"




Folha de S. Paulo
26/6/2008

O melhor resumo-homenagem a Ruth Cardoso está na carta da dramaturga Consuelo de Castro, publicada pelo "Painel do Leitor".* Fala das aulas de antropologia e política dessa notável intelectual e fala, "sobretudo, do seu jeito soberano de encarar a vida". A própria Ruth reforçou esse "jeito soberano" de ser em uma frase que a Folha pinçou como uma espécie de legenda para a foto dela.
Dizia: "Se tiver idéia diferente, eu expresso. Não tenho a mesma posição política só por ser casada". Num país em que há, ainda, o primitivo raciocínio que faz da mulher mera extensão do homem (ou vice-versa, em tempos mais modernos), é todo um manifesto de soberania. Dupla soberania: a de pensar com a própria cabeça e a de não ajustar convicções a conveniências.
No plano micro, ultramicro, coube-me testemunhar uma cena explícita de "soberania". No início do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, ele, a mulher e a comitiva de praxe fizeram visita oficial à Bélgica, que incluiu palestra no Colégio da Europa, em Bruges. Foi a primeira cidade, quando era Estado independente, a adotar a renda mínima, no remoto século 16 (exatamente 1526).
O casal visitou um museu, como procurava fazer sempre que possível. Pararam ante um quadro que mostrava um camponês recebendo um pão. FHC comentou: "Olha aí a renda mínima". Ruth, com seu jeitão despachado, fulminou: "Que renda mínima, isso é assistencialismo puro". O presidente calou-se, e a visita seguiu.
Passaram-se 13 anos, dois mandatos de FHC e um e meio de Lula, talvez os dois governantes de mais sensibilidade social entre todos os presidentes, tanto que construíram um embrião de rede de proteção social.
Dói, no entanto, que Ruth Cardoso não tenha sobrevivido para ver quebrado o assistencialismo.

Ruth Cardoso
"Perder Ruth Cardoso é perder uma força apaixonada , um sentimento de mundo , como aquele que ela imprimiu com ternura e firmeza à minha geraçao em suas aulas de antropologia e politica e sobretudo com seu jeito soberano de encarar a vida. Que alguma cosmogonia das tantas tribos indigenas que estudamos possa recolher a sua luz, professora, a sua alma. Eu vou te amar todos os dias da minha vida."
CONSUELO DE CASTRO , dramaturga (São Paulo, SP)

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