O Estado de S. Paulo |
25/3/2008 |
Na semana passada, em rápida passagem por Nova York e Washington, fiquei impressionado com a virulência e a intensidade do debate eleitoral nos EUA. A menos de oito meses da eleição presidencial e de três das convenções partidárias que irão escolher os candidatos democrata e republicano, os resultados da campanha continuam incertos, tanto no tocante ao candidato democrata quanto à eleição, em novembro, contra o candidato republicano, John McCain. Participei de reunião de conselho na qual estavam presentes assessores de Barack Obama, Hillary Clinton e John McCain e ali pude registrar a mesma perplexidade e dificuldade em prever os próximos desdobramentos da campanha. A pequena diferença, entre os delegados escolhidos nas prévias, a favor de Obama não deve mudar, mas ainda não garante a sua indicação. Hillary, a rigor, ainda poderia, com a ajuda dos superdelegados, representantes da máquina do Partido Democrata, reverter a tendência evidenciada até aqui e se impor na convenção. A campanha eleitoral e a cobertura da mídia se concentram em três temas, repetidos de forma obsessiva pela imprensa falada, escrita e televisada: a guerra do Iraque, que completou cinco anos no dia 19, a crise financeira e seu impacto sobre a economia e o latente, mas sempre presente, problema racial na sociedade norte-americana. As preocupações com a segurança nacional, resultantes do pavor de um novo ataque terrorista, cederam lugar nos debates às conseqüências negativas do comportamento da economia. A crise financeira é a ponta do iceberg dos problemas econômicos americanos. O maior desafio, hoje, é o desconhecimento da extensão da crise no sistema bancário e imobiliário e há grandes dúvidas sobre se outros setores poderão ser contaminados. Em termos políticos, os eleitores querem saber quais as propostas dos candidatos para conter a desaceleração do crescimento, o aumento do desemprego, os problemas na previdência social, na saúde e na educação, diante, entre outros fatores, dos crescentes gastos com as guerras no Iraque e no Afeganistão. No seu já quinto ano, a guerra no Iraque parece estar longe de ser resolvida antes do final do governo George W. Bush. Os EUA já despenderam entre US$ 450 bilhões (segundo estimativas oficiais) e US$ 1 trilhão (segundo vários institutos de análise e pesquisa). Com mais de 4.500 mortos e mais de 21 mil feridos gravemente, a guerra no Iraque já é uma das mais caras e mais longas da história militar americana. Na campanha eleitoral, a guerra do Iraque é tratada pelos candidatos com propostas para alcançar uma paz honrosa, permitir o desengajamento militar dos EUA e, sobretudo, com promessas de trazer de volta, o mais rapidamente possível, um número significativo de soldados americanos. Até porque Bush espera que o governo e o Exército iraquianos assumam a responsabilidade do restabelecimento da paz e da segurança interna e o combate ao terrorismo da Al-Qaeda. Finalmente, o terceiro e mais recente tema na campanha eleitoral é o surgimento da questão racial. Esse problema, que tanta dor e tanto trauma causou entre brancos e negros, está longe de estar resolvido na sociedade americana. Sermões explosivos pelo seu caráter crítico aos EUA e aos brancos, feitos pelo reverendo da Igreja Batista freqüentada por Obama, passaram a dominar o noticiário. Cobrado com insistência, e na tentativa de conter uma crise iminente em sua vitoriosa campanha, o pré-candidato optou por enfrentar o problema sem tergiversar. Com coragem, num discurso direto e pessoal, Obama abordou a questão da divisão racial pouco disfarçada na sociedade norte-americana. Procurando distanciar-se dos controvertidos sermões, mostrou que as expressões usadas pelo reverendo representavam uma visão profundamente distorcida dos EUA. Não deixou de se referir às justificadas queixas e aos ressentimentos dos dois lados, aludindo às razões pelas quais alguns negros podem sentir-se excluídos, mas também se referiu aos motivos pelos quais alguns brancos se sentem igualmente preteridos, numa direta alusão às cotas que beneficiam negros em detrimento de brancos na admissão ao estudo e ao emprego. Fez um candente apelo para que todos os americanos deixem para trás as antigas feridas e olhem para um futuro de unidade e de cooperação. O problema racial, mais cedo ou mais tarde, seria trazido para a campanha eleitoral. Obama foi obrigado, pelas circunstâncias, a antecipar-se e a estabelecer os parâmetros para um amplo diálogo sobre essa questão. O pronunciamento de Obama foi visto, pelos que o apóiam e pelos que a ele se opõem, como um dos discursos mais importantes feitos, sob pressão, por um candidato a presidente desde John Kennedy, em 1960. À época, o intuito foi acalmar a sociedade protestante norte-americana em relação aos riscos de eleger, pela primeira vez na história dos EUA, um católico como presidente. O que não se sabe é se a fala de Obama terá sido positiva ou negativa para sua campanha e se, com esse discurso, conseguirá evitar que a questão racial se transforme num dos temas que podem ser usados contra ele, prejudicando uma trajetória até aqui tão bem-sucedida. No caso de a convenção reverter a vontade popular expressa nas primárias e Hillary Clinton vir a ser indicada, há o risco de a comunidade negra interpretar a manobra como uma forma ilegítima de burlar essa vontade popular por preconceito racial. As conseqüências dessa frustração são imprevisíveis, pois a ela vai somar-se a de grande número de jovens que tinham esperança de poder mudar a maneira de fazer política em Washington. |
Entrevista:O Estado inteligente
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