O candidato da mudança nas eleições municipais
deste ano está na disputa do Rio de Janeiro
"Yes, we can" (Sim, nós podemos) é o slogan de maior sucesso da temporada, nos Estados Unidos. Está escrito nos cartazes do candidato Barack Obama e é entoado em coro por seus partidários. Podemos o quê? Isso é o de menos. A força do slogan está em não ser específico. Invoca a eficácia da vontade ("podemos") e as virtudes da união ("nós") e dá oportunidade para que cada um preencha a seu gosto o espaço reservado ao que pode ser obtido com tal conjunção de forças. A mensagem central é que um novo horizonte é possível. Guardadas todas as proporções entre um país e outro e entre uma eleição e outra, a chancela de esperança representada pelo yes, we can vai, nas eleições municipais programadas para este ano no Brasil, para o deputado Fernando Gabeira, que na semana passada anunciou sua candidatura a prefeito do Rio de Janeiro.
Gabeira, que já era das figuras mais interessantes, virou uma das figuras mais respeitadas da política brasileira. Memorável foi sua interpelação, no plenário da Câmara, contra a "maneira indigna" com que se comportava o então presidente da casa, Severino Cavalcanti. Filiado ao Partido Verde, teve sua candidatura a prefeito apresentada por uma coligação que inclui o PSDB e o PPS. Ele tem a singularidade de guardar distância do PT, ao qual já foi filiado, sem aderir aos ultras do lado contrário. No ato de lançamento da candidatura, até convidou o PT a aderir à coligação. Por suas posições e sua personalidade, representa um traço de união, um hífen, entre o PT e o PSDB, os dois partidos que encabeçam as disputas de poder, nacionalmente. Vem daí o primeiro sinal de yes, we can que sua candidatura emite: sim, nós podemos romper a muralha de intransigência que separa PT e PSDB. Podemos desmanchar uma dicotomia que tem beneficiado principalmente a rataria espalhada pelos partidos-satélites, contemplada com a sorte grande de vender cada vez mais caro o apoio necessário para que um ou outro lado componha a maioria.
Não se espera uma aliança em nível federal, pelo menos até onde a vista alcança, entre PT e PSDB. Também são escassas as possibilidades de isso acontecer nos estados, e certamente não vai se repetir em outras capitais o que se esboça em Belo Horizonte, onde o governador Aécio Neves, do PSDB, e o prefeito Fernando Pimentel, do PT, articulam lançar um candidato comum. O que dá para esperar, com a articulação mineira, se der certo, e mais ainda se a ela se somar a subida de Gabeira ao primeiro plano do cenário nacional, é um impulso em direção ao degelo que possibilite colaboração pontual entre os dois partidos e acordos no Congresso. Com boa vontade e ajuda dos astros, yes, we can. Quem tem mais a perder são os agentes da corrupção e da chantagem.
Outro sinal de "sim, podemos" são as condições impostas por Gabeira aos companheiros de coligação para aceitar a candidatura: (a) não sujar a cidade nem agredir os adversários durante a campanha; (b) se eleito, disponibilizar as contas da prefeitura na internet; (c) não usar o cargo para fazer oposição aos governos federal ou estadual; e (d) não aceitar indicações políticas para a formação do secretariado. Eis um programa de tirar o fôlego, de tão revolucionário, em face dos costumes vigentes. A começar pelo fato de o candidato se dispor a ser cobrado já na campanha: se sujar a cidade ou aplicar golpes baixos contra os adversários, os eleitores estão convidados a não votar nele. Não sujar as ruas bem poderia ser condição preliminar para todos os candidatos, ainda mais quando se trata de eleição em que o que está em jogo é a administração do município. Ainda não chegamos a tanto. Um candidato que venha a fazê-lo, no Brasil, por vontade própria merecerá figurar nos anais como autor de um feito histórico. (Em São Paulo, é de esperar que a cidade fique limpa, mas não será pela vontade dos candidatos: é porque existe uma lei que proíbe as faixas e os cartazes.)
Mas a mais revolucionária entre as revolucionárias condições impostas por Gabeira é a de não aceitar indicações políticas para o secretariado. Enfim, eis um governante que se dispõe a governar. O titular de um cargo executivo, no Brasil, é um oprimido. Está condenado à sina de aceitar colaboradores que não conhece e cujo preparo para as funções nem a própria senhora consorte do indicado seria capaz de atestar. Não é absurdo imaginar o presidente Lula a cruzar na rua com um dos titulares de seu caudaloso ministério sem ligar o nome à pessoa. Gabeira acena com nada menos do que um chamamento à libertação. "Presidentes, governadores e prefeitos, não tendes nada a perder senão vossos grilhões." Yes, we can. Podemos formar equipes só com base na competência.
Se Gabeira conseguir tal proeza, terá mudado o eixo em torno do qual gira a política brasileira. Mas o "nós podemos" com que acena sua candidatura não será vão mesmo com resultado mais modesto: fazer política de modo decente já é uma grande coisa.