Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 01, 2008

Reservas Nível recorde é bom para o país

Elas valem quanto pesam

O preço de manter reservas de 190 bilhões de dólares pode até 
ser alto. Mas é o melhor seguro que a economia brasileira já teve


Giuliano Guandalini

VEJA TAMBÉM
Nesta reportagem
Quadro: Caixa forte e pesada

As reservas internacionais em moeda forte funcionam como um seguro que o Brasil contrata para se proteger contra eventuais ataques especulativos e crises abruptas. Foi graças ao acúmulo desses recursos que o Brasil pôde decretar, há duas semanas, o fim de sua dívida externa. Na última crise financeira que atingiu o Brasil, em 2002, essa poupança era bem mais modesta. Excluídos os empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI), não passava de 16 bilhões de dólares; na semana passada, chegou a 190 bilhões de dólares, dinheiro acumulado graças aos superávits na balança comercial. Carregar essa caixa-forte recheada de dólares tem benefícios evidentes. Mas também custa caro. Isso porque os governos ganham, com as reservas, taxas de juros menores que as que se obrigam a pagar em suas dívidas internas. Um estudo da firma de investimentos Pimco estima que o Brasil perca 8 bilhões de dólares ao ano com suas reservas devido a essa diferença entre rentabilidade e custo da dívida interna. Há ainda as perdas decorrentes do enfraquecimento do dólar, moeda na qual o Brasil mantém a maior parte de suas reservas. Em 2007, o Banco Central (BC) amargou um prejuízo de 56 bilhões de reais com a desvalorização da moeda americana.

Diante de tamanha despesa, vale a pena acumular ainda mais reservas? Para alguns economistas, não. "No atual nível, os custos ultrapassam os benefícios", afirma Márcio Garcia, professor da PUC do Rio de Janeiro. Segundo ele, as reservas atuais já são mais do que suficientes para proteger o país contra crises externas. Outros críticos sustentam que a compra de dólares não passa de uma tentativa do governo de evitar uma apreciação ainda mais forte do real. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, no entanto, está determinado a seguir acumulando recursos. E tem boas razões para isso. Em primeiro lugar, porque reservas fortes reduzem a vulnerabilidade do país. Além disso, graças a essa poupança, ficou mais seguro aplicar no Brasil. "Assim o país atrai mais investimentos externos, e fica mais barato para as empresas brasileiras captar recursos lá fora", disse ele a VEJA. Mantega nega que o governo queira conter a apreciação do real. Segundo ele, a medida visa apenas a impedir alterações bruscas no câmbio. "Já não é possível segurar artificialmente a cotação de uma moeda", afirmou o ministro. "Mas pode-se, sim, amortecer essas variações por meio da compra de dólares."

O economista José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e sócio da MCM Consultores, concorda com a estratégia adotada pelo governo: "O Brasil não tem sofrido com a crise americana, ao contrário de outros países, justamente por causa das reservas. Graças a elas, o crescimento econômico hoje é maior e menos instável". Para Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, a compra de dólares é inevitável diante da enxurrada de recursos estrangeiros que tem entrado no país. Afirma o economista: "Todos os países com saldo comercial elevado, como o Brasil, estão fazendo o mesmo. Se o governo não acumulasse reservas, haveria o risco de a cotação do dólar cair ainda mais e ficar muito volátil". Segundo Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais do BC e economista-chefe para a América Latina do Banco Real, há ainda outro ponto a ser levado em consideração. Muito da atual bonança brasileira é reflexo das altas cotações das commodities. Para Schwartsman, as reservas funcionam como um colchão de segurança diante da possibilidade de uma queda, no futuro, dos preços dos produtos exportados pelo país. "A piora nas exportações faria o dólar subir, o que teria impacto na inflação. O BC teria de subir os juros, freando a economia", diz o economista. "As reservas são uma proteção contra esse cenário."

Para um país que já foi à lona e teve de renegociar sua dívida externa sete vezes ao longo de sua história, o debate sobre o tamanho das reservas parece deslocado. É um conforto inédito ter um crédito superior aos débitos estrangeiros, apesar dos custos desse seguro. A maneira de reduzir a despesa com essa apólice é cortar os gastos públicos e diminuir a dívida interna – medidas que, infelizmente, seguem longe do radar governamental.

Arquivo do blog