Míriam Leitão - Novo patamar |
PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
18/3/2008 |
A crise dos Estados Unidos mudou de patamar nos últimos dias. O mercado americano foi palco de uma corrida bancária contra o quinto maior banco do país, cujas ações viraram pó. O Fed fez uma reunião nervosa no fim de semana, injetou dinheiro direto para dar liquidez a ativos podres, não pôde esperar dois dias para a reunião normal e cortou juros do dinheiro de assistência aos bancos. Uma corrida bancária, como a que o Bear Stearns sofreu, é a prova mais eloqüente da falta de confiança no sistema bancário americano por parte do distinto público. Decisões nervosas do banco central e das autoridades econômicas num fim de semana lembram as crises que o Brasil enfrentou nos anos 90. Transferência direta de recursos do Fed para um banco quebrado - e da maneira como foi feita - mostra que o que as autoridades monetárias temem é o pior dos riscos: o de crise sistêmica. A ajuda ao Bear Stearns lembra muito o Proer brasileiro. Recursos diretos cobriram ativos ilíquidos, e a parte boa do banco foi vendida por uma bagatela para um outro banco. Assim se evitou que quem tinha dinheiro depositado e aplicado no banco sofresse perdas, mas não se protegeu o acionista. Exatamente o princípio seguido no Brasil nas operações tão criticadas. No entanto um grande plano de socorro aos bancos, com dinheiro do Tesouro, não está descartado. - Acho que virá um Proer mesmo, com dinheiro do Tesouro, aos bancos americanos - afirma Maílson da Nóbrega. O que aconteceu já é inusitado. Bancos centrais oferecem recursos para assistência de liquidez, isso é diferente de injetar recursos direto numa instituição para evitar que ela quebre. O ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola concorda que há pontos em comum entre o Proer e o plano do Fed para resgatar o Bear Stearns. Ambos têm a mesma motivação: evitar uma crise sistêmica, mas a maneira de agir é um pouco diferente. Os dois consistiram numa injeção de dinheiro e ambos procuraram alguma instituição para continuar o banco. - No caso do Proer, a garantia, o lastro, foi feita com títulos públicos, conhecidos como moedas podres. Neste caso americano, pelos detalhes que sei até agora, acho que é com títulos hipotecários - explica Gustavo Loyola. Há uma outra grande diferença: na origem da crise. No caso brasileiro, a crise bancária começou ao fim da inflação. Lá surgiu no mercado de títulos. - Eles não são dados a programas de ajuda, como foi o caso do Proer. Não é do feitio deles - diz ele. Hoje o Fed se reúne; ele deve decidir por um corte nos juros. As apostas já estão em um corte de um ponto percentual. Se for isso, os juros reais americanos (taxa de juros descontada a inflação) poderão chegar a -1,6%. Pelos cálculos da corretora Link, na verdade, a taxa hoje já está negativa. Em janeiro, ela estava 0,26 positiva, mas, em fevereiro, a variação de preços dificilmente ficará abaixo de 3,6%. Isso já daria uma taxa de juros reais de -0,6%, tendo como base os juros praticados pelo Fed de 3%. Abaixo, o gráfico mostra os juros reais americanos através do tempo. Note que os outros momentos de juros reais negativos ocorreram no período que precedeu a alta da inflação no final dos anos 70 e logo após o 11 de Setembro, quando os juros foram reduzidos para evitar a recessão. A intenção do banco central americano, neste caso, é injetar dinheiro na economia e impulsionar o consumo. O problema desta estratégia, segundo a economista Marianna Costa, da Link, é que, numa crise financeira, não há garantia de que os bancos americanos vão repassar o crédito aos consumidores e, se repassarem, que as famílias vão consumir. No Japão, por exemplo, mesmo taxas de juros a zero não conseguiam fazer o consumo subir. Esta política de juros negativos pode estimular a fuga de ativos dos títulos públicos para commodities e, com isso, aumentar ainda mais a pressão sobre o preço das commodities. Ontem, excepcionalmente, elas estavam caindo. Se a estratégia do Fed der certo, o país teria inflação pelo aumento do consumo. Dado o quadro atual, esse é o melhor cenário, porque o impulso econômico terá dado certo, e os juros podem voltar a subir, mas aí para combater a inflação de demanda. |
Luiz Garcia - Vistas a longo prazo |
O Globo |
18/3/2008 |
O Supremo Tribunal Federal decidiu acabar com a quantidade extraordinária de processos que são alvo de pedidos de vista pelos ministros e passam longas temporadas engavetados. E foi dado passo importantíssimo na direção correta: decidiu-se que o ministro que segurar um processo por mais de 20 dias terá de fazer pedido formal ao plenário para estender o prazo. Boa notícia? Nem tanto: isso aconteceu em dezembro de 2003, e a medida até hoje não foi formalizada. Até dá para desconfiar que alguém pediu vista da coitada. Domingo, O GLOBO publicou um desanimador levantamento da situação no mesmo STF. Resumo: praticamente todos os ministros, de muitos anos até hoje, seguram processos pelo tempo que querem. Há casos - não são a norma, mas também não são difíceis de encontrar - de mais de dez anos. Durante muito tempo, a lentidão dos trabalhos no STF era tradicionalmente atribuída a excesso de trabalho. E foi criado o Superior Tribunal de Justiça para aliviar a carga do STF. Não adiantou grande coisa, e o problema dos pedidos de vista também existe no STJ. A última tentativa de resolvê-lo por lá foi anunciada em 2004, pelo ministro Edson Vidigal, ao assumir a presidência da casa. Ele tinha proposta original: criar um sistema informatizado de consultas entre os ministros de cada turma, o que eliminaria os pedidos individuais de vista. Propôs, literalmente, usar o sistema do PSD mineiro: "Primeiro a gente combina e só depois se reúne." A idéia era boa, a frase é ótima. Lamentavelmente, até hoje não foi possível mineirizar o STJ. O problema geral da lentidão do Judiciário - que tem diversas outras causas - continua sendo agravado, na instância final, pela extensa e difícil forma de compreender a permanência de processos em gabinetes de ministros. Para se ter uma idéia, o ministro Marco Aurélio Mello se defende da possível suspeita pecha de que seria um engavetador, informando que em média processos passam apenas 3,2 meses em seu gabinete. Não há como se saber, aqui de fora, se isso é pouco ou muito: obviamente, depende de quanto tempo cada ministro e seus auxiliares trabalham em cada processo. E da qualidade dos computadores e dos programas à disposição de cada gabinete. Sem falar nos diferentes graus de complexidade das questões. Mas, sejam quais forem as explicações para o problema, sempre será difícil de entender que processos durmam anos e anos à espera do voto de um só ministro. Há excesso de trabalho? Escassez de meios e recursos? Se existe esse tipo de problema, não se entende que os próprios ministros do STF não denunciem as deficiências com incansável ênfase. Não se ouviu nada disso dos ministros entrevistados pelo GLOBO. |
Merval Pereira - Quem é quem? |
O Globo |
18/3/2008 |
A disputa pelos espaços políticos na capital com vistas à eleição de prefeito está provocando movimentos de bastidores que já são perceptíveis, tanto em reações destemperadas de figuras aparentemente equilibradas, quanto em comentários públicos como os do prefeito Cesar Maia, que claramente se incomodou com o lançamento da candidatura de Fernando Gabeira pela coligação PV-PPS-PSDB. Também no campo da chamada esquerda carioca, que é ironizada pelo prefeito em seu blog pela falta de votos nas áreas mais pobres da cidade, a aliança de Gabeira com o grupo de Marcello Alencar está sendo criticada. O candidato do PSOL lançado oficialmente ontem, deputado Chico Alencar, por exemplo, diz que essa aliança "tira um pouco da modernidade" da candidatura Gabeira. Ontem o PSDB escolheu o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha como o candidato a vice de Gabeira, fechando assim o acordo político que pretende quebrar a polarização entre o candidato apoiado pelo prefeito e pelo grupo de Garotinho/Picciani no PMDB do Rio e o senador bispo Marcelo Crivella, candidato ligado à Igreja Universal e que conta com o apoio do presidente Lula. Geraldo Tadeu Moreira Monteiro, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), acredita que estamos caminhando para um cenário eleitoral com uma pluralidade de candidatos com perfil à esquerda, uma candidatura de perfil populista (Crivella) e uma disputa no centro entre uma candidatura de centro-direita, apoiada pela candidata do prefeito Cesar Maia (Solange Amaral) e uma candidatura de centro-esquerda, apoiada pelo governador Sérgio Cabral. Nada indica que essa última candidatura prevista por Geraldo Tadeu Monteiro venha a se concretizar no primeiro turno. Ele está certo, porém, quando diz que a disputa latente entre os dois grupos que dominam a política no Rio impõe escolhas excludentes, pois Sérgio Cabral não poderia fazer campanha para um candidato que se apresente como de oposição ao presidente Lula. Para Geraldo Tadeu Monteiro, a aliança DEM-PMDB é uma estratégia de contenção dos grupos políticos de Cesar Maia, Garotinho e Picciani para evitar uma expansão maior da influência política de Sérgio Cabral. Nessa análise, a aliança política de Cabral com Lula restringe o espaço dos demais grupos políticos que estão na oposição ao governo federal. Essas definições de tendências políticas, no entanto, não servem para uma avaliação das possibilidades de cada candidato, pois as pesquisas do IBPS mostram que, sistematicamente, 70% dos eleitores escolhem o candidato; 15%, o partido; e apenas 5%, a ideologia. Para o prefeito Cesar Maia, definições de quem é esquerda na política do Rio esbarram na falta de votos dos mais pobres, que dizem representar. Ele lembra que, em 2004, os candidatos a prefeito do PT (Jorge Bittar) e do PCdoB (Jandira Feghalli) "mal conseguiram, cada um deles, 1% dos votos entre os que dizem representar". O prefeito diz que os políticos que se autodefinem como de esquerda "têm a extração social de seu voto exatamente onde classicamente a direita carioca - pré, lacerdista e pós - tinha". Numa clara estocada em Fernando Gabeira, o prefeito diz que "a ética como estratégia política, usada por alguns que se dizem de "esquerda", é de tradição lacerdista. Talvez se possa classificá-los de outra forma, com outro nome, por seus valores liberais, dentro da esfera dos costumes. Mas, se olharmos para as tradições socialistas e comunistas, estes valores liberais nunca os caracterizaram. Ao contrário. Eram chamados de pequeno-burgueses". Geraldo Tadeu Monteiro, do IBPS, em sua análise, diz que "precisamos ter em mente que o eleitor não segue as orientações dos líderes partidários. Uma aliança entre dois partidos não provoca necessariamente a migração dos eleitores de um candidato para o outro, a menos que haja muita identidade entre eles, política, ideológica e pessoal". Ele cita uma pesquisa IBPS de 20 a 22 de fevereiro que mostra que 8,1% dos eleitores de Jandira Feghali, num outro cenário, votariam em Denise Frossard e que 2,8% dos eleitores de Chico Alencar votariam em Crivella num terceiro cenário. De modo geral, comenta, pode-se dizer que a saída de Wagner Montes favorece em muito o senador Crivella: 25,7% dos eleitores de Crivella votariam em Wagner Montes, assim como 19,7% dos eleitores de Wagner votariam em Crivella. Jandira Feghali herda 10,6% dos votos da ex-candidata do PPS, Denise Frossard. Crivella herda 4,9% e Chico Alencar fica com 4,1%. Já a saída dos três candidatos do PSDB representa para Gabeira, em termos redondos, 0%. Pelas pesquisas, os candidatos à esquerda tiram votos uns dos outros de maneira sistemática: Jandira leva 9,9% dos votos de Chico Alencar, perde 6,7% para Gabeira, que perde 6,4% para Chico Alencar. Nas divisões de classe, e corroborando com as críticas de Cesar Maia, o IBPS define que os candidatos da esquerda têm bom desempenho entre os mais escolarizados, com renda acima de dez salários mínimos, onde suas intenções de voto em geral dobram. Os candidatos de centro, embora com intenções de voto mais bem distribuídas, concentram-se nos estratos de classe média das zonas Norte e Oeste, enquanto o candidato popular tem 47% do seu eleitorado concentrado na faixa que ganha até dois salários mínimos, 38% dele com apenas o ensino fundamental e 50% na Zona Oeste. "Estamos ainda longe da cidade partida, mas o quadro deverá exprimir os vários Rios de Janeiro", diz Geraldo Tadeu Monteiro. |