Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 19, 2008

Miriam Leitão Olhar para trás

Desde o início da crise das subprime, os pessimistas têm acertado mais nas suas previsões, e os otimistas têm tido que se desdizer. No início, houve quem garantisse que a crise poderia se limitar às promissórias de alto risco. Calculava-se, na época, um “rombinho” de US$ 12 bilhões a ser absorvido pelos bancos. Era só um episódio de perdas num mercado de alto risco e virou a pior crise do pós-guerra.

O dia ontem foi mais calmo porque o banco Lehman Brothers, visto como a bola da vez, divulgou dados melhores do que se temia. A redução de 0,75 p.p. nos juros americanos ajudou a desanuviar o ambiente. Tudo tem mudado, às vezes, em questão de horas, mas, ao longo do tempo, as previsões mais pessimistas estão se confirmando.

O economista Nouriel Roubini era o louco solitário quando disse, no começo do ano passado, que havia 70% de risco de recessão nos Estados Unidos; hoje ele é o oráculo.

O economista Tom Trebat, da Universidade de Columbia, disse-me que não acredita na calma de ontem: — O Bear Stearns sumir do mapa de uma hora para outra mostra que os ativos dos bancos não são líquidos e muitos não têm lastro. Eles não têm conseguido se recapitalizar. A única fonte de recursos para eles têm sido esses fundos soberanos de países árabes.

Estou realmente assustado com o setor bancário americano — comenta o professor, que já foi do Citibank.

Os eventos dos últimos meses se sucederam numa velocidade estonteante. Um breve olhar para trás mostra a dinâmica da crise.

Agosto de 2007: os bancos centrais mundiais injetaram cerca de US$ 350 bilhões no mercado durante uma única semana para evitar o agravamento da crise. A primeira de uma série de intervenções conjuntas, sempre com números extravagantes.

No mesmo mês, a Countrywide Financial, maior financiadora hipotecária dos EUA, que meses antes comprara outras financiadoras e dissera que era hora de crescer, vergou sob o peso dos rombos. Obteve US$ 11,5 bilhões de socorro de 40 bancos para garantir sua liquidez. Era ainda apenas a crise do mercado imobiliário.

Depois viraria uma crise de crédito. Hoje parece ser uma crise bancária.

Novembro de 2007: o Federal Reserve (banco central americano, o Fed) injetou sozinho US$ 47,25 bilhões em recursos no sistema bancário dos EUA. Foi a maior intervenção desde 19 de setembro de 2001, ou seja, pouco depois dos atentados terroristas ao World Trade Center.

Dezembro de 2007: para se capitalizar, o UBS, que teve perdas de US$ 14 bilhões, vendeu uma fatia de 9% para o governo de Cingapura e uma participação menor para um investidor saudita.

Janeiro de 2008: o Citibank — o maior banco do mundo — anuncia o pior prejuízo em 196 anos de sua história. Foram US$ 9,8 bilhões num único trimestre, e US$ 18 bilhões de redução do valor dos seus ativos imobiliários. Ele foi salvo por uma injeção de fundos soberanos de países árabes. O banco de investimentos Merrill Lynch também passou o chapéu entre investidores: obteve US$ 6,6 bilhões com a Autoridade de Investimentos do Kuwait, o Korean Investment Corp. e o japonês Mizuho Financial Group. Dias antes, a Countrywide foi comprada pelo Bank of America por US$ 4 bilhões, uma fatia bem pequena perto do que já havia valido. O Morgan Stanley também foi socorrido. Outros bancos exibiram prejuízos recordes. O socorro sempre veio do Oriente.

Ainda em janeiro: o Fed surpreende os mercados e reduz, em reunião extraordinária, os juros básicos em 0,75 ponto percentual, para 3,5% ao ano. Primeira reunião fora da data desde o 11 de Setembro. Uma semana depois, reduziu outro 0,5 p.p.

Fevereiro de 2008: o Congresso americano aprova um pacote de estímulos à economia estimado em mais de US$ 150 bilhões.

No dia 18 do mesmo mês, a Inglaterra, que um dia foi a capital da privatização, estatiza o Banco Northern Rock, para salvar o banco vítima das hipotecas de alto risco.

Foi a primeira estatização desde a década de 70. Foram 25 bilhões de libras.

Na semana passada, houve uma corrida bancária contra o quinto maior banco americano de investimento, o Bear Stearns. Boatos se espalharam sobre outros bancos.

O Fed e o Tesouro, no fim de semana, tomaram decisões dramáticas: injetaram recursos diretos no banco, forçaram uma compra do que restava da instituição e o banco central americano reduziu, de novo, o custo dos recursos para ajuda aos bancos. Ontem, ele baixou os juros em 0,75 ponto percentual.

Tom Trebat, que desde os anos 70 acompanha a economia brasileira, disse, em rápida passagem pelo Brasil, que acha que o país precisa se preparar para riscos como o da saída forte de capital ao longo do ano: — Tudo parece bem agora, mas, neste agravamento da crise, o que vai acontecer é a liquidação de ativos em países como o Brasil — prevê.

Não há garantia de fim breve da crise. A recessão americana já está instalada.

Segundo Tom Trebat, a recapitalização dos bancos será difícil e demorada: — Os bancos já reconheceram perdas de US$ 122 bilhões, mas o potencial de perdas só com ativos imobiliários é de US$ 600 bilhões.

E o setor imobiliário não é a única fonte de perdas e de falta de transparência dos bancos. O alívio de um dia é bom, mas o risco é que controlar esse processo pode estar fora do alcance do banco central americano.

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