O Globo |
4/3/2008 |
A postura oficial do governo brasileiro no confronto entre Colômbia e Equador foi a mais cômoda possível: condenar a invasão territorial, exigir um pedido de desculpas e um compromisso formal do governo da Colômbia de que não haverá repetição do ato de hostilidade. Mas o que fazer com a clara proteção que o governo do Equador e da Venezuela dão aos narcoguerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs)? E como impedir que o governo da Venezuela se intrometa, tomando as dores do Equador mandando tropas para a fronteira, numa clara provocação ao governo de Alvaro Uribe, a quem já vinha chamando de traidor desde os primeiros incidentes envolvendo a libertação de reféns das Farcs? A situação de conflito iminente na região já estava caracterizada desde quando o governo venezuelano passou a ter ascendência política e financeira sobre diversos governos da região: A Bolívia de Evo Morales; o Equador de Rafael Correa; a Argentina de Kirchner; a Cuba de Fidel. A presença de Hugo Chávez na região, fortalecida pelo aumento do preço do petróleo, perturba o modelo de protagonismo brasileiro, surgindo o venezuelano como uma liderança alternativa na região. Ele atua em dois momentos: no ideológico, tem seguidores políticos como como Rafael Correa ou Evo Morales, e com a diplomacia do petrodólar, como no caso da Argentina, comprando os bônus argentinos e as malas de dinheiro para as campanhas políticas, e também a sustentação financeira de Bolívia e de Cuba. Os petrodólares de Hugo Chávez substituem o anacrônico "ouro de Moscou" do tempo da Guerra Fria, fazendo com que seu peso político seja desproporcional à sua real importância geopolítica na região. A forma como Chávez tem agido, no entanto, só tem reforçado a imagem de Lula como um líder equilibrado em uma região conturbada. Essa é uma avaliação que se faz por comparação, e não por valor absoluto. A tese do Itamaraty de que a integração regional na América Latina tem que ser buscada a todo custo para dar "tranqüilidade ao continente", faz sentido, mas tem sido freqüentemente atropelada pelos fatos, que nos últimos dias desmentem a fama de pacífica da região. Em meio a um ambiente de hostilidades crescentes, a política de armamento da Venezuela acendeu o alerta em setores militares brasileiros, e o reequipamento das nossas Forças Armadas, passou a estar na ordem do dia. O que mais preocupa os estrategistas militares é a possibilidade de fabricação de armas leves, como os fuzis AK-47, em larga escala em território venezuelano, que poderiam facilmente cair nas mãos dos narcoguerrilheiros colombianos. Não bastasse o pedido de silêncio feito por Chávez, em rede nacional de televisão em homenagem pela morte do número dois das Farcs, a revelação de que o governo de Chávez financiou a guerrilha com U$300 milhões é mais uma demonstração dos laços estreitos que os unem, tornando mais difícil ainda a posição oficial do governo brasileiro. O presidente venezuelano disse que conheceu o guerrilheiro Raúl Reyes, morto na operação militar da Colômbia, num dos encontros do Foro de São Paulo, uma organização criada por Lula e Fidel Castro para reunir os grupos de esquerda do continente. O Foro de São Paulo abriga não apenas partidos políticos de várias tendências esquerdistas, mas também organizações guerrilheiras, além das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs), como a ELN também colombiana e a Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (UNRG), consideradas terroristas, acusadas de tráfico de drogas e outras atividades criminosas, o que retira sua legitimidade como fórum de debate político. Foi nesses encontros que Lula conheceu Chávez e também o número dois das Farcs. A proximidade do governo da Venezuela com as Farcs, que ficou evidenciada na primeira operação, frustrada, de liberação de reféns, agora fica mais perigosamente demonstrada pelo financiamento da narcoguerrilha. Essa defesa da posição do Equador, com a movimentação de tropas na fronteira, é um dos aspectos mais deletérios da ação geopolítica da Venezuela sob Chávez, que busca uma integração militar e geopolítica paralela à integração econômica da região. A proposta de um pacto militar para a defesa conjunta contra os Estados Unidos dos membros da Aliança Bolivariana (Alba), grupo formado por Cuba, Nicarágua, Venezuela e Bolívia para se opor à falecida Alca americana, inclui, vê-se agora, também o Equador, enquanto a Colômbia é considerada a ponta de lança dos americanos na região. Toda essa movimentação chavista, no entanto, é avaliada pelos estudiosos da região como mais uma de suas fanfarronices, sendo pouco provável que um conflito armado realmente se torne realidade, especialmente pelo fato de os Estados Unidos estarem atuando dentro da Colômbia no combate ao narcotráfico. Mas a atuação das Organizações dos Estados Americanos (OEA) pode ser fundamental para acalmar os ânimos no momento. Se a OEA não for suficiente, é possível que seja necessário formar um grupo como o de Contadora, criado em 1983 pelos governos da Colômbia, México, Panamá e Venezuela, para promover a paz na América Central, diante dos conflitos armados en El Salvador, Nicarágua e Guatemala. O Brasil deveria ter um papel fundamental nessas negociações, pois o governo Lula é visto internacionalmente como uma liderança equilibrada em uma região dominada por líderes esquerdistas radicais. A "esquerda tradicional" representada por Lula e Bachelet no Chile seria fundamental para dar estabilidade à região. Mas para isso seria preciso que o governo da Colômbia identificasse no Brasil um poder moderador independente, o que não acontece. |
Entrevista:O Estado inteligente
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