Um critério seguro para medir o grau de liberdade existente numa sociedade reside no exercício da livre escolha dos cidadãos, no espaço que lhes é oferecido. Trata-se de coisas aparentemente tão anódinas como a liberdade de ir-e-vir, a liberdade de escolha de uma religião, a liberdade de uso do corpo de cada um, a liberdade de imprensa e, de um modo mais geral, a liberdade de cada cidadão escolher aquilo que lhe parece ser o melhor para si, independentemente de qualquer tutela externa, seja a coerção de uma pessoa, seja a do Estado. Coisas anódinas apenas para os que já vivem numa sociedade que se caracteriza pela liberdade e pela democracia, e não para aqueles onde esses direitos já se encontram cerceados.
Do ponto de vista moral, não há em geral acordo entre as pessoas sobre aquilo que cada uma considera como sendo o seu "bem". Distintas pessoas, em que pese a sua proximidade numa relação de amizade, podem ter as mais diferentes opiniões sobre o que cada uma considera o bem maior de suas vidas ou os seus gostos particulares, também conhecidos como "formas do bem". Certamente, estarão de acordo sobre um ponto básico, a saber, que a amizade em questão é um bem comum, embora mesmo aqui possam surgir dificuldades de definição. Em todo o caso, esboça-se um acordo básico, o de que cada um pode emitir o seu juízo sobre o que é o bem, além de poder atuar de uma forma autônoma, sem que o Estado lhe imponha uma forma determinada de ação e de comportamento.
O Brasil vem, não sem solavancos, empreendendo um caminho de democratização crescente, sobretudo de realização de liberdades no nível mesmo da sociedade. Esse processo, no entanto, não tem sido acompanhado de medidas análogas no modo de funcionamento do Estado. Politicamente, temos observado um enfraquecimento do Poder Legislativo por uso abusivo, pelo Poder Executivo, de Medidas Provisórias e, principalmente, por uma tendência cada vez mais acentuada do Estado legislar sobre a vida dos indivíduos. Órgãos governamentais têm desenvolvido uma inclinação, que está se tornando incontida, de legislar por meio de atos administrativos, decretos, portarias e instruções normativas, como se estivessem somente regulamentando uma lei. Por exemplo, portarias e instruções normativas do Incra podem alterar completamente as relações de propriedade existentes no País. Uma pessoa pode, um dia, acordar pela manhã com uma notificação que questiona o seu direito de propriedade. Isso já está acontecendo, mais recentemente, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio Janeiro, qualificada, por ato administrativo, como território quilombola. O cidadão encontra-se desprotegido. O Poder Público está se tornando cada vez mais invasivo, impondo regras, que afetam diretamente a vida de cada um.
O Ministério da Saúde é outro que está se aproveitando de uma onda de moralização existente para avançar em suas propostas de regulamentação cada vez mais intensiva da vida dos cidadãos. Há toda uma campanha em curso contra as bebidas e o fumo, que tem a virtude de atingir percepções e crenças das pessoas, que, aparentemente, poderiam se sentir reconfortadas. Grandes estardalhaços midiáticos são feitos como se, dessa maneira, o "bem" da sociedade brasileira se estivesse realizando. Beber e fumar são tão antigos como a civilização humana, e os seus eventuais danos à saúde humana devem ser objeto da maior divulgação e informação. Daí não se segue, contudo, que caberia ao Estado determinar se as pessoas podem ou não dedicar-se ao que entendem como os seus gostos próprios. O que está em questão é algo muito mais fundamental, o direito de escolha de cada um.
O que se esconde sob o manto da moralização dos costumes é uma infração à liberdade de escolha. Um ministro vem, assim, a determinar o que é o bem de cada um, as pessoas sendo consideradas como menores incorrigíveis, não tendo o descortino de saber o que é um bem para si. Se uma determinada pessoa escolhe beber ou fumar, este é um problema exclusivamente seu, apesar de saber de eventuais danos que possam ocasionar a sua saúde. Não cabe ao Estado aqui se imiscuir. Cabe-lhe, isto sim, informar aos cidadãos quais são esses danos dentro do espírito de transparência, que deveria reger a vida de uma sociedade livre. Não deveria, porém, se arrogar a posição de uma entidade que tudo sabe, reduzindo ou mesmo anulando a capacidade de livre escolha.
Hoje é a cerveja, amanhã pode ser o vinho, a cachaça ou qualquer forma de destilado. Agora, pode ser a proibição de uma publicidade, de um ponto-de-venda. Amanhã pode ser a "lei seca", como foi vigente durante certo período nos EUA, com toda a sua série de conseqüências: contrabando, desrespeito à lei, máfias e corrupção. Não estamos evidentemente aí, quando mais não seja pelo fato de que a proibição de venda de cachaça ou uma regulamentação rígida seria, além de ineficaz, um fator importante de um grande abalo nacional, com repercussões tão grandes que poderiam, inclusive, provocar uma reforma ministerial!
Nesse meio tempo, o governo vai se aproveitando desta "confusão" criada sobre as noções de "bem" para pôr de novo em pauta um aumento de impostos a esses produtos considerados nocivos. Alardeia uma grande propaganda para recriar uma contribuição, análoga à CPMF, que já foi rechaçada. Querem fazer mais do mesmo, sob a aparência de que estão fazendo algo completamente diferente. Há pequenos passos que ocultam todo um caminho que está sendo trilhado. São os decretos, as portarias e as instruções normativas de Ministérios e órgãos estatais, que começam a enxugar o espaço da decisão individual. O Estado vai crescendo de tamanho e aumentando as suas funções, como se esse fortalecimento fosse um bem para o próprio cidadão. Não faltam aí as artimanhas dos que pretensamente sabem o que é melhor para cada um. A liberdade individual é a grande prejudicada!
Entrevista:O Estado inteligente
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