Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 06, 2008

Efeitos colaterais da política social


editorial
O Estado de S. Paulo
6/3/2008

As políticas sociais compensatórias implantadas pela Constituição de 1988, baseadas em transferências de renda e outros benefícios assistenciais, vêm consumindo desde então parcelas cada vez maiores dos recursos do Orçamento da União. No início, recebiam 3% dos recursos não financeiros; em 2005, receberam 21%. Seus resultados, em termos de melhoria da qualidade de vida, são evidentes. No entanto, por causa das restrições orçamentárias, esses gastos estão sendo feitos em prejuízo dos investimentos, situação que, se for mantida por muito tempo, limitará o crescimento e comprometerá o futuro não só dos que hoje, graças a esses programas, conseguem viver melhor do que ontem, mas de todo o País.

Os programas de transferência de renda têm grande impacto num país com indicadores sociais ruins, como o Brasil. É rápida a redução do número absoluto de pobres e indigentes em todas as regiões. Trata-se, como observou o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento do governo Itamar Franco e professor do Ibmec/MG, Paulo Haddad, em artigo publicado sábado no Caderno de Economia do Estado, de \"um fato que deve ser comemorado numa sociedade cruel que ainda não conseguiu equacionar os seus problemas de assimetrias e desigualdades que a acompanham desde a abolição da escravidão\".

São vários os programas que fazem parte das políticas sociais do governo Lula. Em seu artigo, o ex-ministro listou os benefícios previdenciários de até um salário mínimo, as transferências de renda familiar (por meio do Programa Bolsa-Família, agora estendido para as áreas rurais), o abono salarial e o seguro-desemprego, a renda de um salário mínimo assegurada para o idoso ou deficiente físico pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e o programa de Renda Mensal Vitalícia. O governo Lula vem ampliando o público-alvo desses programas e aumentando o valor dos benefícios, por meio da correção do salário mínimo com índices superiores ao da inflação passada. O presidente Luiz Inácio da Silva, como é natural, só vê os aspectos positivos das políticas sociais.

Haddad, no entanto, chama a atenção para três efeitos colaterais negativos desses programas que podem se aguardar no médio e longo prazos se nada for feito para atenuá-los. Satisfeitos com o que recebem, os beneficiários desses programas tendem a permanecer como dependentes do governo, sem aspirar a nada melhor. Como diz Haddad, as políticas sociais \"acabam por quebrar a coluna vertebral do empreendedorismo local nas áreas menos desenvolvidas do País, levando a maioria da população a uma posição de apatia social\". De acordo com o ministro, \"a imensa dificuldade que os governos estão encontrando para promover o desenvolvimento de áreas economicamente deprimidas, mesmo após a melhoria de sua infra-estrutura (energia, transporte, telecomunicações) e a expansão da oferta de incentivos fiscais e financeiros\", indica que esse fenômeno já está ocorrendo.

O crescimento dos gastos com políticas sociais, por sua vez, reduz a já ínfima capacidade da União de investir na infra-estrutura econômica, o que retarda o crescimento da economia. \"Em 1987, os investimentos representavam 39% do gasto não financeiro da União, caindo para 3% em 2005\", mostrou Haddad. O governo Lula tem repetido que, na montagem do Orçamento, vem procurando aumentar a fatia dos investimentos, mas os resultados até agora são modestos.

Por fim, as políticas sociais garantem rendas extras para as prefeituras, o que é bom para suas populações - em quase 2 mil municípios, de 50% a 60% das famílias residentes são beneficiadas por essas políticas -, mas têm uma conseqüência política e administrativa preocupante. Das receitas das prefeituras, 80% a 90% resultam de transferências da União e dos Estados, o que as desestimula a buscar fontes próprias de receitas e realimenta sua dependência financeira e política com governos central e estadual. As políticas sociais as tornam ainda mais dependentes.

O desenvolvimento depende da canalização de forças sociais e da iniciativa inovadora, diz Haddad. Mas as políticas sociais retardam o surgimento dessas forças. Por isso, \"no longo prazo (os beneficiados) tendem a ser enredados no círculo vicioso da pobreza e da destruição do capital social\".

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