Não que essa vocação tenha desaparecido ou que o governo não ficasse satisfeito se Marco Aurélio se sentisse compelido ao silêncio e assim permanecesse, enquadrado aos costumes da magistratura tradicional.
A questão não é essa. Inclusive porque não adianta: o ministro falará, como de resto sempre falou, desde muito antes daquele discurso de posse no TSE, em maio de 2006, quando alertou para a "rotina de desfaçatez e indignidade" que toma conta do País e da política.
Na época, ele disse que considerava missão da Justiça defender a sociedade dos escândalos e dos "faz-de-conta" e avisou que não haveria "contemporizações a pretexto de eventuais lacunas na lei, até porque, se omissa a legislação, cumpre ao magistrado interpretá-la à luz do direito, atendendo aos anseios da coletividade".
Estava posta a regra de participação ativa, o que realmente se confirmou durante a campanha de 2006. O ministro se manifestou a respeito de diversas práticas, defendeu a cassação de candidaturas de políticos com contas em aberto na Justiça e por diversas vezes alertou para procedimentos inadequados sem que estivessem necessariamente em julgamento no tribunal.
Portanto, as várias declarações de Marco Aurélio Mello neste ano sobre o caráter eleitoreiro de ações sociais anunciadas pelo governo e que no entendimento dele feriam a Lei Eleitoral, não constituem novidade nem provocaram reações contrárias no Judiciário.
Até porque nenhuma delas, por ocasião das declarações, era objeto de ação judicial. Marco Aurélio deu sua opinião, como, por exemplo, nesta semana o novo presidente eleito do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, opinou em audiência pública no Congresso sobre o instituto das medidas provisórias, objeto de contestações no tribunal.
Ninguém reclamou, mas o PT resolveu se queixar formalmente de Marco Aurélio não por coincidência dias depois de o presidente Luiz Inácio da Silva puxar a briga, criticando, sem citar o nome do ministro, o Judiciário por "meter o nariz" em assuntos estranhos à sua jurisdição.
Diante da repercussão negativa, o PT entrou em cena como porta-voz do presidente e concentrou o fogo no presidente do TSE, de modo a não comprar uma briga com o Judiciário todo.
E por que isso? Porque está em andamento uma estratégia mais ampla de defesa, tendo em vista o dia seguinte do fim do mandato de Lula e o enfrentamento, daqui até lá, de duas campanhas eleitorais.
A ordem é demarcar terreno e não dar trégua a quem quer que seja visto como adversário, em qualquer setor da vida nacional.
Exemplo disso foi o trator sem freios da bancada governista na votação da medida provisória da TV pública. A ofensiva de palanque recentemente deflagrada por Lula também faz parte disso, bem como sua decisão de só participar de campanhas de candidatos de partidos aliados no plano federal.
A apresentação de petistas sem viabilidade nem capital eleitoral como possíveis candidatos à sua sucessão expressa uma reaproximação do presidente com seu partido que, seja uma fonte de problemas ou não, será o andor sobre o qual andará entre a saída da Presidência e a preparação para a disputa de uma nova eleição em 2014 ou 2015.
Na justificativa da reclamação contra Marco Aurélio, o PT argumenta que o ministro errou e feriu a Lei da Magistratura. Ora, se é assim, por essa ótica já havia errado antes.
Só que agora Lula se deu conta de que o tempo corre e que contestações potencialmente poderosas podem levá-lo a colecionar derrotas que arranhem o mito do imbatível, inquestionável, incontestável, primeiro e único benfeitor da nacionalidade desde a descoberta do Brasil.
A largada
O presidente do Senado, Garibaldi Alves, a quem coube presidir a legítima noite de São Bartolomeu em que se transformou a sessão que aprovou a TV pública, atribui responsabilidade à oposição. "Radicalizou muito e fez da obstrução um tumulto generalizado."
Na visão de Garibaldi, estava ali retratada a reação oposicionista à antecipação do processo da sucessão presidencial, iniciada, segundo ele, no dia em que Lula lançou a ministra Dilma Rousseff como "mãe" do PAC.
Vida ganha
O DEM não está preocupado com a candidatura de Geraldo Alckmin à Prefeitura de São Paulo nem romperá relações com o PSDB por causa disso.
Os "demos" estão adorando a programação de eventos conjuntos do governador José Serra com o prefeito Gilberto Kassab.
Acham que é o suficiente para o eleitor e as máquinas municipal e estadual "entenderem" Kassab como candidato de Serra.