Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 02, 2008

Celso Ming

Espetinho de lagartixa


Os relatórios de fevereiro do Banco Central provavelmente apontarão reservas externas já superiores a US$ 192 bilhões. Os números disponíveis até o último dia 28 cravavam US$ 191,5 bilhões.

O estoque não ficou barato. O custo da manutenção das reservas é uma conta difícil de fazer. No ano passado, pode ter ficado entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões. Se o governo Lula fez o diabo para garantir a arrecadação da CPMF, que foi de R$ 37,2 bilhões, seria razoável que lutasse agora para baixar essa despesa.

Antes de prosseguir, uma explicação. As reservas brasileiras estão quase na sua totalidade aplicadas em títulos do Tesouro americano, que rendem juros ao redor dos 3,5% ou 4,0% ao ano. Para fazer reservas, o Banco Central tem de comprar dólares. Para comprá-los, tem de endividar-se em reais, ou seja, tem de colocar títulos públicos no mercado que, no momento, cobram juros de 11,25% ao ano. Porque paga mais pelos juros dos títulos emitidos do que recebe pela aplicação das reservas, precisa emitir novos títulos para cobrir essa diferença.

É primarismo afirmar que a formação de reservas não passa de troca de dívida externa mais barata por dívida interna mais cara. Os benefícios indiretos obtidos pela formação de reservas excedem esses custos. Foram essas reservas que acabaram com um dos maiores pesadelos da história recente. Transformaram o Brasil em credor externo líquido. E foram elas que construíram a atual resistência do País à crise global. Quanto vale isso?

Além disso, a situação externa ficou tão confiável que o Brasil passou a atrair capitais de investimento (e não mais de dívida) em volume que provavelmente já é maior do que o custo do carregamento das reservas.

Pode-se acrescentar um terceiro fator positivo. As compras de moeda estrangeira pelo Banco Central evitaram a derrubada ainda maior do dólar no câmbio interno, o que aumentaria as dificuldades de exportar.

Mas até onde ir com esse empilhamento? As reservas já vêm apresentando uma conta muito alta. Também já foi obtida e fortemente comemorada a nova condição do Brasil de credor externo líquido e a excelente resistência da economia brasileira às crises. Assim, por que prosseguir nessa empreitada?

O Banco Central só reconhece duas razões para intervenção no câmbio: formar reservas e evitar excessiva volatilidade das cotações. Mas formar reservas para quê, se aparentemente os objetivos principais foram atingidos?

Além disso, o mercado de câmbio não está mais tão volátil. O próprio Banco Central tem alardeado a nova condição de previsibilidade da economia brasileira, condição propiciada pelas reservas. Então por que prosseguir?

Na falta de explicações convincentes, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem dito que outros emergentes têm reservas mais altas do que o Brasil. De onde se seguiria que é preciso ir em frente, sabe-se lá até onde. Mas brasileiro não tem de comer coisas esquisitas só porque chinês adora espetinho de lagartixa.

Enfim, ou o Banco Central vai dizer que encontrou motivos novos para seguir comprando dólares ou vai enfrentar crescente dificuldade para justificar sua política.

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