Encaminhamento da crise Equador-Colômbia
A crise está sendo construtivamente encaminhada graças à atuação diplomática da OEA, subseqüentemente reforçada pelo Grupo do Rio. Estas atuações são representativas da inserção de legítimos terceiros institucionais que se colocaram entre as partes para mediar o conflito e diminuir a tensão entre o Equador e a Colômbia, que a Venezuela, no momento inicial, exasperou.
Cabe legalmente à OEA conhecer fatos e acontecimentos que põem em risco a paz na região. É função do seu Conselho Permanente - no âmbito do qual inexiste poder de veto - velar pela manutenção das relações de amizade entre os Estados membros, auxiliando-os na solução pacífica de suas controvérsias. Foi neste contexto que, por unanimidade, ou seja, com a concordância do Equador e da Colômbia, se chegou a uma Resolução em 5 de março.
A Carta da OEA - ponto de partida da Resolução - estipula que o "Direito Internacional é a norma de conduta dos Estados em suas relações recíprocas". Deste modo, a Carta realça uma das funções do Direito Internacional: a de evitar a fricção proveniente da não-regulamentação da ação dos Estados por meio de normas. Estas definem o padrão aceitável de comportamento na vida internacional.
Um dos princípios básicos do Direito Internacional é o do respeito recíproco pela soberania territorial. A ação da Colômbia não teve o consentimento prévio do Equador e por essa razão a Resolução da OEA registrou que o fato ocorrido em 1º/3 constitui "uma violação da soberania e integridade do Equador e dos princípios do Direito Internacional". Na mesma linha, subseqüentemente, se manifestou o Grupo do Rio, uma instância de consulta e coordenação política que reúne vários Estados, todos membros da OEA, inclusive as partes envolvidas na crise, que participaram, em nível presidencial, da reunião na República Dominicana em 7 de março.
A satisfação na forma de desculpas é uma das maneiras de reparação jurídica desse tipo de violação da soberania territorial. Por isso a Declaração do Grupo do Rio registrou, com satisfação, as amplas desculpas que o presidente Uribe, da Colômbia, ofereceu ao Equador, bem como o compromisso por ele assumido, em nome do seu país, de que atos desse tipo não viriam a repetir-se no futuro.
O respeito recíproco da soberania territorial tem como corolário o princípio da não-intervenção nos assuntos internos de outro Estado. Em outras palavras, um limite da soberania territorial é a interdição de uso do território para fins contrários ao direito dos outros Estados. O princípio da não-intervenção está contemplado no artigo 19 da Carta da OEA, que exclui não só a força armada, mas também "qualquer forma de interferência ou de tendência atentatória à personalidade do Estado e dos elementos políticos, econômicos e culturais que o constituem".
Esse artigo foi devidamente mencionado na Resolução da OEA e na manifestação do Grupo do Rio. Inspira-se na Declaração de 1970 sobre os Princípios do Direito Internacional referentes às Relações Amistosas e da Cooperação entre os Estados, emanada da Assembléia-Geral da ONU. Nessa Declaração, baseada na Carta da ONU e voltada à coexistência pacífica (que nada tem que ver com o clima político internacional pós-ataque terrorista aos EUA em 2001), também está dito, a propósito do princípio da não-intervenção: "Todos os Estados devem também abster-se de organizar, ajudar, fomentar, financiar, encorajar ou tolerar atividades subversivas ou terroristas destinadas a mudar, pela violência, o regime de um outro Estado, bem como intervir nas lutas internas de um outro Estado."
É com base nessa formulação do princípio que cabe, de maneira geral, cogitar do enquadramento das atividades das Farc em outros países, pois esse é o outro componente gerador da crise. Daí a relevância de um dos parágrafos da Declaração do Grupo do Rio, que reitera uma efetiva preocupação com as ameaças à segurança dos Estados da região, provenientes da ação de grupos irregulares ou de organizações criminais, em especial as conectadas às atividades do narcotráfico. Daí também a importância, igualmente mencionada na Declaração do Grupo do Rio, da decisão do presidente Rafael Correa de receber a documentação oferecida pelo presidente Uribe, que teria chegado ao poder do governo da Colômbia em função dos eventos de 1º de março.
Lembro que o Estatuto de Roma, de 1998, do qual o Brasil é parte, tipificou como crimes os atos usualmente praticados na Colômbia pelas Farc. Entre eles, atos de violência contra a vida das pessoas, ultrajes à sua dignidade por meio de tratamentos humilhantes e degradantes e a tomada de reféns.
A Declaração do Grupo do Rio respalda a Resolução da OEA. Esta contempla uma comissão chefiada pelo secretário-geral da OEA e constituída por cinco embaixadores - entre eles o do Brasil - com o objetivo de percorrer os lugares relacionados com os fatos vinculados à crise e encaminhar, no seu relatório, fórmulas de aproximação para a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores.
A Reunião de Consulta, marcada para amanhã, tem competência para considerar problemas de natureza urgente do interesse comum dos Estados membros. É a alta instância da Organização. Tem peso político coletivo. Seguramente, com base nos elementos listados e no relatório da comissão, a reunião poderá terminar de desatar o nó desta crise, seguindo os bons ditames da razão política. Estes convergem com uma diretriz básica da nossa diplomacia, que, na clássica formulação de Rio Branco, é a de "assegurar a paz e a prosperidade da América do Sul".