Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 23, 2008

AUGUSTO NUNES- SETE DIAS

O berro do ascensorista


É excitante imaginar o que teria acontecido se, em maio de 2005, algum ascensorista do palácio resolvesse, no último minuto do último expediente antes da aposentadoria, bancar o gaiato com os integrantes da reunião numa sala do Planalto. Sentados à mesa presidida por Lula, lá estavam todos os ministros e os chefões dos partidos governistas. "Polícia!", berraria o ascensorista com a boca colada na porta. Ou "Olha o rapa!". Ou algo assim.

É improvável que a reação se limitasse a um constrangido sorriso coletivo. A gastança da ministra Benedita da Silva em Buenos Aires e o filmete estrelado pelo gatuno Valdomiro Diniz estavam fora do noticiário político-policial havia tempos. A um mês da trovoada do mensalão, o Brasil não sabia o que andava ocorrendo. Nem poderia saber o que estava por vir.

Mas muitos na sala sabiam de tudo - e é pouco provável que mantivessem o autocontrole depois do berro do ascensorista. O aviso soaria aos ouvidos dos pecadores como a senha para a correria. Antes que o alerta chegasse à última vogal, já teria saído em desabalada carreira o pelotão dos velocistas do "núcleo duro", puxado por José Dirceu.

Chefe do Gabinete Civil e, por indicação do presidente, "capitão" do time de Lula, Dirceu arrancaria para longe do perigo com a agilidade de um punguista surpreendido com a mão no bolso do tungado. Estaria milímetros à frente dos companheiros Antonio Palocci, ministro da Fazenda, e Luiz Gushiken, comandante da Secom.

O timaço do PT, abrilhantado por craques como José Genoino e Delúbio Soares, logo teria estabelecido uma dianteira de muitos quilômetros sobre parceiros obscenamente obesos, como Pedro (PP) Correa e José (PL) Janene. Lula, naturalmente, nem se ergueria da cadeira. Ele não sabia de nada. Não sabe até hoje. Jamais saberá.

Como nunca houve o berro do ascensorista, a retirada dos pecadores pôde ser feita gradualmente, sem tanto alvoroço, às vezes sem pressa nenhuma. Sempre sob as bênçãos do Grande Pastor, sempre com atavios, fitas e adereços enfeitando os andores da interminável procissão dos anjos caídos. Nunca antes na história deste país houve tantos.

E nenhum deixou de merecer palavras de estímulo do generoso padrinho. "Querido Zé", começa a carta em que Lula lamentou a perda de José Dirceu. "É mais que um companheiro, é meu irmão, e o maior ministro da Fazenda de todos os tempos", despediu-se de Palocci, depois de fazer o possível para manter no controle das contas do país um estuprador de contas alheias.

Também mereceram afagos, retóricos ou explícitos, os ministros pecadores Anderson Adauto, Romero Jucá, Humberto Costa, Silas Rondeau, Walfrido Mares Guia, Romero Jucá e Matilde Ribeiro. (Waldir Pires só se meteu no escândalo da incompetência). A mão amiga permaneceu igualmente estendida aos parceiros do PT.

Talvez seja conveniente tornar a estendê-la a Silvio Pereira. Para livrar-se do processo do mensalão, Silvinho comprometeu-se a "prestar serviços à comunidade". Mas só apareceu no emprego depois dos cartazes de "procurado por vadiagem". Lula deveria ter uma conversa a sós com o amigo. Para sossegar um coração em descompasso. Para socorrer uma alma atormentada. Sobretudo, para evitar que Silvinho conte o que sabe.

Cabôco Perguntadô

Colunistas convertidos à causa bolivariana estão convencidos de que as Farc só não foram varridas da face da Colômbia porque interessa às oligarquias nativas e aos patrões ianques a continuação do que chamam de "guerra civil". O que esperam os 280 mil homens das Forças Armadas colombianas para derrotarem menos de 20 mil guerrilheiros?, perguntam. E respondem: para que as tropas imperialistas fiquem rondando a Amazônia brasileira, à espera do momento da invasão. O Cabôco revida com outras perguntas. Primeira: consumada a ofensiva em massa, como salvar a vida dos mais de 800 reféns que as Farc mantêm em cativeiro? Segunda: os bolivarianos acham que são reféns ou "prisioneiros de guerra"?

Uma dúvida já está resolvida

Depois de duas horas de conversa com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o escritor colombiano Gabriel García Márquez desembarcou um tanto confuso do avião que os levara de Havana a Caracas. "Ainda não sei se Chávez é um herói popular ou se é apenas mais um maluco", confessou-se intrigado o autor de Cem anos de solidão. Se acompanhou com atenção a performance do líder bolivariano durante a crise desencadeada pela operação militar colombiana contra uma base das Farc no Equador, García Márquez já cravou a coluna dois. Quem homenageia com cantorias o inimigo que chamara para a guerra quatro dias antes pode ser tudo. Menos bom da cabeça.

Inimigo assim é bom demais

Para deixar mal no retrato a candidatura de Fernando Gabeira a prefeito do Rio, a tropa brasileira do Exército Bolivariano divulgou pela internet dois pecados graves cometidos pelo deputado:

1. Gabeira repudiou o fuzilamento sumário de três cubanos que tentavam fugir para os EUA e a prisão de 77 dissidentes, para os quais solicitou a ajuda da diplomacia brasileira.

2. Gabeira desaconselhou o intercâmbio esboçado entre a Abin e agentes secretos cubanos. "Eles são especialistas em atividades antidemocráticas", constatou. "É como estudar direitos humanos na China".

Caso se intensifique a divulgação de pecados assim, Gabeira será eleito sem fazer campanha.

A lentidão agora vale para todos

Os tribunais brasileiros são acusados desde sempre de demorar tempo demais para julgar, em última instância, ações que envolvem muito dinheiro, gente importante e advogados que cobram por hora. Paulo Maluf, por exemplo, continua à espera de sentenças que encerrem processos iniciados quando ainda era estudante. Não viverá para assistir ao desfecho de ações mais recentes.

Para provar que trata com igualdade qualquer cidadão, a Justiça resolveu ser lenta com todo mundo. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, nunca é promovida antes de oito meses, a contar da data da solicitação, a primeira audiência nos juizados especiais criados para decidir com rapidez pequenas causas. É o Brasil.

Yolhesman Crisbelles

Criado também para premiar frases cretinas, o troféu da semana vai para o chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, por ter descoberto o que há por trás do noticiário sobre a gastança do ministro do Esporte, Orlando Silva, com o cartão corporativo:

Foi puro preconceito, que se manifestou porque o ministro usou o cartão para comprar uma tapioca. Se tivesse comprado um hambúrguer ou um cheesebúrguer no McDonald's, o escândalo não teria sido tão divulgado.

A explicação pode ser estendida à ex-ministra Matilde Ribeiro. Ela só caiu na boca da imprensa porque, em vez de alugar carrões importados, deu preferência a produtos nacionais.


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