Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 05, 2008

AUGUSTO NUNES- A guerrilha acabou de pijama e cueca




Jornal do Brasil
5/3/2008

Dias depois da Passeata dos 100 Mil, Nelson Rodrigues escreveu que a revolução sonhada pelos jovens rebeldes de 1968 acabara no momento em que, atendendo a uma ordem do líder Vladimir Palmeira, os manifestantes se sentaram no chão da Cinelândia. Nessa posição, ninguém derruba nenhum governo, ironizou o grande cronista. Não existe revolucionário sentado.

Nem guerrilheiro de pijama, imaginou-se até sábado passado. Por mais de 50 anos, no imaginário popular, um guerreiro da selva só dormia - se é que dormia - de farda, coturno, quepe, trabuco na cintura e uma granada ao alcance da mão. Não foi assim que Fidel Castro varou as perigosas madrugadas em Sierra Maestra? Não foi com esse figurino de soldado universal que Che Guevara atravessou insone as últimas noites nos grotões da Bolívia?

As fotos de Raúl Reyes sugeriam que o nº 2 das Farc pertencia a essa linhagem de combatentes em tempo integral. Aparecia sempre enfiado num uniforme com bolsos suficientes para acomodar toda a pólvora de um paiol. E a expressão feroz denunciava um homem em vigília permanente, pronto para combates matutinos, vespertinos ou noturnos. Engano, soube-se neste 1º de março, quando Reyes foi morto durante um ataque aéreo das Forças Armadas colombianas.

No instante em que o primeiro petardo caiu sobre o acampamento montado pelas Farc no Equador, a dois quilômetros da fronteira, o chefão dormia. De pijama. Perto dele, ressonavam 15 guerrilheiros. "Em trajes menores", registrou polidamente a imprensa. Tradução: dormiam de cuecas. Pena que não se tenha conferido a devida relevância ao que parece um detalhe, mas é bem mais que isso.

Ganharam espaço muito maior a violação territorial praticada pelo governo Álvaro Uribe, a indignação do equatoriano Rafael Correa, a cólera de Hugo Chávez, o uivo dos ventos da guerra. Cronistas bolivarianos evocaram a indumentária da turma, mas para sublinhar a crueldade dos atacantes: além de desarmadas, as vítimas usavam pijama e cuecas.

Estavam assim por se sentirem em casa, como qualquer civil no recesso do lar. Durante o dia, ex-comunistas reduzidos a narcotraficantes praticam atos terroristas na Colômbia - uniformizados. À noite, em segurança nos domínios de amigos como Rafael Correa e Hugo Chávez, dormem mais à vontade. Os dois acham que as Farc são "um exército insurgente". Mas pode entrar sem pedir licença. Violação só existe se os invasores forem militares da Colômbia.

"O Brasil pode - e deve - ser neutro em conflitos entre países", resumiu na Folha de S. Paulo o jornalista Clovis Rossi. "Mas não pode - nem deve - ser neutro entre o governo colombiano (legítimo) e as Farc (um grupo delinqüente)".

É isso. A conta das perdas e ganhos

Por ter ordenado o estupro do sigilo bancário de Francenildo Costa, o caseiro que contou o que vira, Antonio Palocci perdeu o cargo de ministro da Fazenda e, por algum tempo, a alegria de viver. Recuperou-a ao ganhar uma vaga na Câmara dos Deputados. Denunciado há dias ao STF pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, agora perdeu o sono.

Palocci anda muito deprimido, contam amigos. Perdeu a fé na Justiça. Ganhou a solidariedade militante de José Roberto Batocchio, advogado de Palocci. Cego às evidências reunidas pelo procurador-geral, Batocchio finge acreditar que o mandante do estupro não tem nada a ver com o crime que encomendou.

Pode um advogado, sobretudo um ex-presidente da OAB, mentir para livrar o cliente do banco dos réus? Batocchio parece achar que sim: para ganhar uma causa (e honorários de bom tamanho), ele topa perder quaisquer escrúpulos. Já ao assumir o caso, jurou que Palocci nunca freqüentou a suspeitíssima "República de Ribeirão". O caseiro da mansão onde se homiziavam amigos do ministro cansou-se de vê-lo aparecer por lá. Batocchio diz que é mentira.

Francenildo perdeu o emprego e, pela seqüência de tentativas frustradas, também a chance de conseguir outro trabalho fixo. Mas foi o único dos três que não perdeu a vergonha. E ainda acabará ganhando as homenagens que o Brasil decente lhe deve.

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