Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 03, 2008

Teste de fogo

Disputa entre ministérios impede coordenação de medidas estruturais para regrar avanço agrícola e desenvolver a Amazônia

NINGUÉM mais põe em dúvida o nexo entre avanço da fronteira agrícola e aumento do desmate na Amazônia. A força motriz da devastação se encontra, em última análise, na retomada do crescimento e na pujança brasileira na exportação de commodities como soja, carne bovina, madeira e álcool.
Assiste-se com isso a uma reversão lamentável de tendências. Entre agosto de 2003 e julho de 2004, a taxa de desmatamento equivalia a 9.000 campos de futebol por dia. Em 2006/ 2007, caiu para 3.700. Nos cinco últimos meses de 2007, voltou a subir, para 5.600 campos/dia. Em tal ritmo, 2008 poderá voltar ao patamar de 20 mil km2 -um Sergipe- destruídos por ano.
Não há país que tenha crescido sem destruir florestas. No entanto, com a crescente escassez de habitats naturais para prover serviços e bens ambientais (de mananciais à biodiversidade), a Amazônia -maior mancha de floresta tropical do mundo, com mais de 80% da cobertura arbórea original ainda de pé- valorizou-se de modo acentuado, mas quase só no plano simbólico.
A meta de desmatamento zero é bonita, mas inexeqüível. Sempre cabe lembrar que o proprietário de terras amazônicas pode desmatar até 20% de sua área, pela lei. O problema tem sua raiz na "criação" de propriedades por meio da ocupação de terras públicas e falsificação de títulos.
O grileiro se capitaliza vendendo as árvores para madeireiros em geral ilegais. Forma pastos e inicia pecuária extensiva, que responde por 75% do desmate. Depois a gleba pode ser repassada para plantadores de soja ou milho, levando mais capital à engrenagem. O governo busca travá-la por meio da criação de parques e reservas, porém seu efeito inibidor já parece esgotar-se.
Após vários planos, comissões e decretos, o governo Lula também fracassa na tentativa de romper tal ciclo. No frigir dos ovos, as divisas do agronegócio falam mais alto. Ações teatrais ganham o lugar das estruturais.
Já se conhece o sentido geral do que é preciso fazer. Produtores dependentes de exportações se dão conta de que não têm futuro sem aumentar a produtividade e cumprir os padrões socioambientais e sanitários exigidos no mercado externo.
O governo federal se omite em seu papel indutor. Bancos oficiais ainda financiam projetos agropecuários sem considerar requisitos ambientais. Nem um sistema confiável para rastrear cabeças de gado o Ministério da Agricultura consegue impor.
Repete-se à exaustão que há 160 mil km2 subutilizados por reocupar na Amazônia, uma alternativa à abertura de áreas. Mas onde está o zoneamento econômico-ecológico para orientar produtores nessa direção? Ficou para meados do ano.
O rumo para o desenvolvimento não-predatório da Amazônia está delineado em algumas iniciativas do governo Lula, como a incipiente concessão de florestas públicas para exploração privada. É crucial aprofundá-las e disseminá-las. Algo pouco provável quando ministros, a cada crise ambiental, preferem dedicar-se à recriminação mútua.

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