Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 17, 2008

Mais vivo do que nunca


No dia 24 de janeiro, o ex-secretário-geral da Presidência da República, nos anos Fernando Henrique, Eduardo Graeff publicou na Folha de S.Paulo um duro artigo contra a anunciada compra da Brasil Telecom pela Telemar, que depende de uma mudança ad hoc na legislação do setor para se consumar. Mas o tema central do artigo Vão-se os sonhos, ficam os anéis é o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, cujas atividades como consultor internacional - leia-se facilitador de negócios que de alguma forma envolvem o poder público - foram descritas em reportagem de grande repercussão na revista Piauí. No que o texto talvez tenha de mais substantivo, Graeff atribui a Dirceu ter ligado “uma coisa à outra” - as suas próprias atividades no mundo dos negócios e a operação da Telemar. 

Nas suas palavras: “Ele mencionou para a revista uma conversa que teria tido com Lula sobre os milhões investidos pela Telemar na firma de videogames do filho do presidente (Fábio Luiz, o Lulinha). Lula teria mandado Dirceu ‘não encher o saco’ com o tema da sorte grande de Lulinha.” E comenta, sarcástico: “Chateação indelegável, já que precisam da assinatura dele no decreto que beneficia quem beneficiou seu filho.” Dirceu retrucou com o artigo Os sonhos estão mais vivos do que nunca, publicado na Folha de quarta-feira. Nele, acusa o ex-assessor presidencial de “lançar mão de informação desmentida por mim” - o trecho da reportagem da Piauí sobre sua conversa com Lula. De fato, assim que os jornais reproduziram as passagens mais quentes da matéria, entre as quais aquela, ele negou que tivesse reclamado de Fábio Luiz ao pai.

Teria havido, na sua versão agora reiterada, o equivalente a um erro de pessoa: o Lulinha a quem criticara seria “um jornalista” e o motivo da crítica teria sido o “acompanhamento estapafúrdio que fazia sobre (sic) o governo em seus trabalhos jornalísticos”. E explica: “Evidentemente, ao falar de reportagens erradas, com declarações atribuídas a mim e ao presidente sem que as tivéssemos prestado, eu não poderia estar me referindo a Fábio Luiz, que não é e nunca foi jornalista.” De quebra, ele aproveita para atacar meios de comunicação não identificados, pelo tratamento a seu ver leviano dado ao “negócio absolutamente legal” entre essas companhias (Telemar e Gamecorp), com a presumível intenção de “desgastar o chefe de Estado”.

Os americanos têm uma imagem muito expressiva para designar indícios indisfarçáveis de um fato, quando não há provas cabais de que tenha ocorrido. É smoking gun, a fumaça que sai do revólver depois de um disparo que não se presenciou. Nesse sentido, arde nos olhos a fumaça que sinaliza o trabalho de corretagem do ex-capitão do time de Lula na venda da Brasil Telecom à Telemar, passando, naturalmente, pelo arranjo legal sob medida destinado a torná-la possível. Tudo, decerto, em nome de “nossa moral socialista e nossa missão no combate do povo brasileiro por sua libertação”, como escreve Dirceu. Cada qual é livre para crer que as suas ações estão a serviço desse ideário. Ou para crer que a sua influência no governo e no PT seja “zero”, como disse à juíza que o interrogou semanas atrás na condição de réu no processo do mensalão. 

Ainda assim, mandaria a equanimidade admitir que ele pode estar certo, e a revista, errada, no episódio - que muito explicaria - da sua conversa com o presidente sobre o Lulinha. Mas essa possibilidade desmorona de imediato quando se lê a contestação da repórter da Piauí, Daniela Pinheiro, ao desmentido de Dirceu, publicada no Painel do Leitor da Folha de quinta-feira. Se não por que “as declarações do ex-ministro, pelo contexto em que foram feitas, não davam margem a ambigüidade”, por ela revelar que perguntou ao seu entrevistado: “O senhor está falando do Lulinha da Gamecorp? E José Dirceu respondeu: ‘É’.” (De resto, o jornalista a quem alega ter se referido nunca foi conhecido por esse apelido, ressalta a repórter. E ele, de seu lado, já lembrou que não mais trabalhava na imprensa quando Lula chegou ao Planalto.) Entre a palavra da entrevistadora e a do seu personagem, a escolha é óbvia para todos que conhecem uma e outro. 

Diga Dirceu quanto queira que os seus sonhos estão mais vivos do que nunca. Mais vivo do que nunca está ele - com os seus bons negócios intermediados junto a quem a sua influência seria zero.

Os artigos: Eduardo Graeff -José Dirceu e carta DANIELA PINHEIRO

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