Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Jânio de Freitas - Depois do chocolate




Folha de S. Paulo
1/2/2008

Já está no Código Penal a definição do que é meter a mão no dinheiro alheio, seja privado ou seja público

SUECOS SÃO uma gente esquisita. Entre eles é inesquecível um episódio, de mais de dez anos, à semelhança desses que andam agora no noticiário brasileiro, a propósito de uns ministros de Lula que, honrando o sistema de montagem do ministério, deixaram evidências de gasto de dinheiro público em benefício próprio, mas impróprio.
Já proeminente e a caminho de alcançar o degrau mais alto na política da Suécia, a vice-primeira-ministra Mona Sahlin comprou um pequeno chocolate, em 1995, desses que apenas tornam mais doces as bocas femininas. Deixou o valor insignificante na conta da verba de gabinete. Foi por isso convidada a deixar o cargo obtido por mérito, amargou o que ainda é conhecido como "o escândalo do chocolate" e voltou à planície política.
Diante da evidência de que ministros (três citados, por ora) não se limitam a um chocolate, quando têm em mãos cartão de crédito governamental ou verba "de emergências", Lula determinou a dois ministros, digamos, limpos, regras de maior rigor para os portadores de cartões. Em vez disso, aos suecos pareceria mais lógico e digno escolher ministros e quadros da Presidência (só aí, 42 cartões em uso) com decência suficiente para não se aproveitar do dinheiro público. Lula não precisa de idéias alheias, e chama a acompanhar as suas o pessoal de PMDB, PT, PR, PTB, PC do B, e quem mais o desejar.
Em 2002, quando adotados no governo Fernando Henrique, os cartões motivaram umas tais regras. Mas por que regras novas, ou mesmo as velhas? Já estava no Código de Hamurabi, já integrava as Tábuas de Moisés ou, para ser menos inatual, já está no Código Penal Brasileiro a definição do que é a sem-cerimônia de meter a mão no dinheiro alheio, seja privado ou público. E o que daí deve decorrer, cuja ausência é conhecida como conivência ou co-autoria.

O bloco da PM
A crise na Polícia Militar fluminense surgiu de um ato contraditório: a passeata de oficiais em Ipanema foi imprópria em vários sentidos, mas a correção salarial ali pedida tem razão de ser. Os níveis de vencimentos da PM seriam baixos em qualquer situação, mas, nas circunstâncias criminais do Rio e de grande parte do Estado, são ainda mais incabíveis.
A contradição continua, porém. A PM está escandalosamente infiltrada por condutas ilegais, desde o achaque no trânsito ou a comerciantes, até a criminalidade mais horrenda, inclusive organizada. Todos os dias o noticiário, apesar de incompleto e quase sempre ligeirinho, expõe novas demonstrações da normalidade do crime entre os que devem extinguir o crime alheio.
A oficialidade diz que essa face da PM "se deve aos maus elementos, e o número de inquéritos e expulsões comprova a ação corretiva". A rigor, menos comprova a correção do que a vasta presença do crime, que até se sabe muitas vezes superior ao número de inquéritos. E, pior, a primeira responsabilidade por esse estado da PM é do seu corpo de oficiais. Corretos ou criminosos, os soldados são seus subordinados, estão sob sua seleção, instrução e esperada vigilância. É uma verdade simples que toda polícia reflete os seus quadros médios e, sobretudo, os superiores.
A ação verdadeiramente eficaz contra a criminalidade no Rio depende em grande parte da depuração na PM. Até para justificar vencimentos justos, porque não são os salários insatisfatórios que levam a tanta degenerescência da função policial.

Comprometida
A intromissão de uma exigência muita específica, na licitação para as obras de quase R$ 1 bilhão no PAC das favelas cariocas -como publicou o repórter Italo Nogueira na Folha-, é para lá de suspeita. Reproduz, com pequena diferença, a licitação que exigia a "comprovação técnica" de que o concorrente já instalara ao menos 20 mil metros quadrados de piso interno de granito. Quem sabe instalar 10 metros, sabe instalar 20 mil ou mais. Mas a empreiteira Andrade Gutierrez era a única com a dimensão de 20 mil comprovável, que foi o piso do aeroporto mineiro de Confins.
Com a detetação daquele pormenor no edital, a Folha antecipou aqui o resultado da concorrência, que teve de ser anulada.
Os tubos para as favelas estão no mesmo caso. A providência do governo fluminense, ainda não se sabe.

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