Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 03, 2008

Fernando Henrique Cardoso Apenas nomes ou reais alternativas?

A discussão eleitoral põe habitualmente o carro à frente dos bois. Quase três anos antes das eleições para presidente e nove meses distante das municipais, a mídia, em geral, reduz a política à discussão sobre os nomes dos candidatos. Qualquer comentário que permita inferir apoio a algum ainda não-candidato se transforma logo em "adesão", mesmo que o entrevistado nem remotamente esteja pensando que as uvas estão maduras. Isso é corriqueiro e não deve preocupar muito.

O que preocupa é a falta de densidade no pseudodebate político. Nele quase sempre se esquece que, quando se travarem as eleições para presidente, estará em jogo a possibilidade de um caminho melhor para o Brasil.

Depois do frenesi de 2002, quando as mentes mais aflitas imaginaram que a vitória do PT significaria uma ruptura, o comportamento do governo Lula, respeitoso das regras do jogo capitalista e da democracia, teria colocado ponto final no debate sobre os rumos do Brasil. De agora em diante, "nada a temer". Os conservadores, beneficiários da situação econômica, mesmo que possam desconfiar de algo, preferem silenciar sobre mudanças de rumo. A "esquerda", ou que nome se queira dar a quem pensa que é possível dar outro curso às coisas, talvez discrepe, mas fica temerosa de que "ruim com Lula, pior sem ele".

Se for assim, as eleições se resumirão a uma competição entre nomes, simpatias, arrogâncias, interesses regionais ou locais, capacidade de manobrar politicamente, efetividade da gestão, etc. Ora, todos esses elementos são componentes inegáveis do jogo político. Mas qual jogo, se não se questiona o rumo das coisas e não se formulam alternativas claras viáveis ao que aí está?

Esse é o ponto central para o qual deveriam estar voltadas as cabeças políticas e os partidos. Será que o País vem fortalecendo mesmo a democracia e suas instituições? As regras de mercado estão se aplicando corretamente? A inclusão social e a igualdade de oportunidades estão asseguradas pelas políticas postas em marcha? E o controle do Estado pela sociedade, avança? Há sinais de vitalidade na organização autônoma das forças sociais para que elas possam contrabalançar, em nome do interesse público, os interesses privatistas ou estatizantes? Francamente, não creio. E porque não creio, acho que o meu partido, o PSDB, antes de estar preocupado com o quem, deve se preocupar com o para quê. É necessário, portanto, politizar o debate. A começar por questionar os rumos a que o governo do PT e de seus aliados clientelísticos levam o País.

Tome-se a forma de relacionamento entre a economia e o Estado, por exemplo. Qualquer pessoa minimamente informada da História sabe que o Estado sempre desempenhou papel importante na consolidação do capitalismo. A questão é que papel e quais as conseqüências políticas decorrentes. No século 18, mas também no final do século 19 com o chamado "modelo prussiano" de capitalismo para reerguer a economia alemã, o Estado não só interferiu abertamente na regulação econômica, mas também desempenhou papel de investidor importante. O mesmo se repetiu mais recentemente na Coréia, por exemplo. Hoje em dia a China exibe fulgurante capitalismo de Estado, aliado, sob condições, ao capitalismo das multinacionais. Essa fusão entre poder e mercado abrigou formas autoritárias, quando não ditatoriais, de poder.

Esse tipo de aliança também teve vigência em alguns momentos de nossa História. Partes do período varguista estão aí para servir de exemplo, e durante o governo Geisel o regime militar se tornou francamente "desenvolvimentista-autoritário". Alguns setores da direita militar sempre foram "desenvolvimentistas", inspirados na visão do "Brasil-potência", e certos setores da esquerda, embora não militaristas, também foram (ou são?) autoritário-desenvolvimentistas. A ânsia, compreensível, de superar o atraso e a pobreza acabou por justificar essa postura, ou melhor, por servir de pretexto para ela. De forma branda, algo semelhante se pode detectar no governo atual quando busca, por exemplo, fortalecer a formação de duopólio no sistema petroquímico, ou reduzir o número de competidores na área de telecomunicações, ao mesmo tempo que enfraquece a ação das agências regulatórias.

O velho modelo monopolista de Estado ressurge das cinzas nos corações da velha direita e da "nova" esquerda capitalista estatizante. Nada há de negativo na existência de empresas públicas. A Petrobrás é um bom exemplo, ou mesmo o Banco do Brasil. Mas elas funcionam adequadamente quando submetidas a alguma competição e quando as forças políticas - o governo e seus aliados - dão vigência à idéia republicana da separação entre Estado e governo. Quando às pressões político-clientelistas se soma a ganância de poder de um partido, como o PT, que controla os fundos de pensão das empresas públicas, e quando esses mesmos fundos se aliam às empresas ou agências do Estado para promoverem o cerceamento da competição entre empresas privadas, as distorções ficam preocupantes.

Este amálgama espúrio entre interesses privados, interesses partidários e interesses corporativos pode dar sustentação a formas arbitrárias de exercício de poder. Pior, ele tem o condão de sensibilizar ideologicamente tanto a esquerda que o vê erroneamente como limitação ao capitalismo quanto setores autoritários de direita, que justificam tudo em nome da ideologia do Brasil-potência.

Acontece que todo modelo que tende ao monopólio e à concentração do poder é também concentrador de rendas e redutor de oportunidades. Sem falar das conseqüências políticas negativas para a alternância no poder que podem advir da utilização eleitoral (eivada de corrupção) de recursos gerados pelas superorganizações empresariais regadas com dinheiro público, aliadas ao governo. Mesmo porque é este o objetivo: a manutenção do mesmo grupo no poder para expandir ainda mais essa esdrúxula aliança entre o grande capital público e privado com os fundos estatais de pensão e com o sindicalismo dócil aos governos

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