Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 16, 2008

André Petry


É medalha de ouro

"Para voltar a ser competitiva, Joanna Maranhão 
teve de encarar o monstro do abuso sexual que 
sofreu aos 9 anos. Encarou. Mas revelá-lo 
publicamente é um gesto de imensa generosidade"

A superação humana, ou a tentativa de superar-se, é sempre comovente. Comove porque é como se apenas um de nós tentasse ou fosse capaz de ampliar os limites da humanidade inteira. Na semana passada, Guga, o melhor tenista brasileiro de todos os tempos, perdeu na estréia do Torneio da Costa do Sauípe e, emocionado, pediu desculpas à platéia. "Não é que eu não queira mais jogar, é que realmente eu não consigo." Quem não se solidariza com isso? A batalha de Guga mereceu elogios do pianista João Carlos Martins, ele próprio um sobrevivente. Com o movimento de apenas três dedos, Martins ainda faz milagres. Passou muitas madrugadas sentado em frente ao piano tentando descobrir um meio de contornar o problema físico. E agora, como que numa sinfonia dos desafiados, aparece Ronaldo, o Fenômeno, novamente forçado a enfrentar o calvário de um problema no joelho. Da outra vez em que viveu o mesmo desafio, o jogador foi operado, ficou dois anos fora dos gramados e triunfou na Copa do Mundo de 2002.

São casos comoventes de superação. Mas, dentre todos, o mais pungente e o mais corajoso é o da nadadora Joanna Maranhão, que confessou ter sido sexualmente molestada, dentro e fora da piscina, por seu treinador quando tinha 9 anos. Ela conta que, por muito tempo, tentou convencer a si mesma de que tudo era fruto de sua própria imaginação, mas de repente tudo veio à tona. Nos últimos anos, deixou de ser a nadadora excepcional que prometia ser. Agora se sabe que, em parte, isso aconteceu devido ao peso avassalador do passado que criou seu medo de pular na piscina e, claro, derrubou seu desempenho. Para voltar a ser competitiva, Joanna Maranhão teve de encarar o monstro. Encarou. Mas revelá-lo publicamente é um gesto de imensa generosidade com vítimas do mesmo crime.

Sua revelação é tocante. Pelo que mostra de sua dolorosa batalha para conviver com o trauma. Pela exposição crua da cicatriz que lhe varou a alma e o corpo nos últimos anos, fazendo-a dormir até catorze horas por dia. Pelo relato sobre a reação de sua mãe quando a ouviu contar a verdade pela primeira vez. "Ela me pediu desculpas, como faz até hoje, e chorou muito. Era como se quisesse me colocar no colo."

A revelação de Joanna Maranhão não tem como ser provada, o ex-treinador anunciou que vai abrir um processo por calúnia e difamação, mas já é uma contribuição valiosa. Valiosa porque expõe um trauma que talvez seja mais comum do que se imagina, encoraja outras vítimas e, quem sabe, ajuda a interromper um ciclo trágico. Estudiosos do assunto dizem que mais da metade das mães cujas filhas sofrem abuso sexual foram, elas próprias, molestadas na infância ou na adolescência. O silêncio, por mais compreensível que seja, acaba por ajudar na reprodução do drama, geração após geração. Sua exposição pode ser uma forma de romper com o ciclo perverso. Eis por que a revelação da nadadora é a um só tempo generosa e valiosa.

Ela conta na entrevista que VEJA publica nesta edição: "Você não tem noção da felicidade que sinto sabendo que minha família e meus amigos compreendem o que aconteceu".

Medalha de ouro para Joanna Maranhão.

 

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