"Na nossa política, os caciques fazem parecer
estupidez ingênua consultar seus filiados, um
bando de anônimos que desconhecem os labirintos
da política e as engrenagens das campanhas"
As eleições primárias que democratas e republicanos fazem nos Estados Unidos para definir os candidatos presidenciais são um carnaval caótico, com regras que mudam de estado para estado e formam um caleidoscópio tão confuso que ninguém entende direito. Os números finais de delegados para cada candidato a candidato resultam de cálculos matemáticos tão tortuosos que todo mundo fica à espera de que algum gênio os traga à luz – e, quando dois gênios o fazem, apresentam números diferentes. Uma coisa, porém, é cristalina: as primárias americanas são um show de democracia de dar arrepios em qualquer morubixaba.
Agora mesmo, nas três principais capitais brasileiras, como se discute a escolha dos candidatos a prefeito? Em São Paulo e no Rio de Janeiro, tudo se desdobra numa guerra surda entre patrões a que a platéia só tem acesso pelas frestas. Em São Paulo, depenam-se os tucanos. No Rio, conflagram-se duas alas do PMDB. Em Belo Horizonte, o processo é inverso, mas a natureza é idêntica. Ali, dá-se um conchavo afável em que manda-chuvas tucanos e petistas se adulam para selar uma aliança, mas a ninguém ocorreu tomar uma providência básica, transparente e democrática: ouvir os filiados.
A imagem-símbolo dos curacas nacionais é o jantar de quatro talheres no Massimo, reduto gastronômico paulistano, em fevereiro de 2006. À mesa, a cúpula tucana discutiu quem seria o candidato presidencial. Cena tão elitista, na forma e no conteúdo, que o governador mineiro Aécio Neves, um dos presentes ao célebre jantar, pediu que o novo candidato seja decidido num bandejão. Muda a forma, mantém-se o conteúdo.
O PT tem feito melhor, com suas prévias. Para as eleições municipais, seu candidato à prefeitura de Porto Alegre será escolhido em consulta aos filiados. É melhor que jantar no Massimo ou almoçar em bandejão, mas é só um começo. Em 2002, quando o senador Eduardo Suplicy se atreveu a disputar prévias para escolher o concorrente do PT ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva, como bom tuxaua, encheu-se de muxoxos, sapateou e só topou a disputa depois de garantir que dela levaria algo próximo da aclamação. Levou.
Nas primárias do Partido Democrata, Hillary Clinton e Barack Obama já fizeram dezoito debates na televisão. Dezoito. Ela dorme três horas por noite. Obama começou sua campanha indo atrás de dinheiro, agora é o dinheiro que vai atrás de sua campanha. Se não desmente, ao menos fragiliza o argumento de que tudo não passa de um show para milionários. O republicano Mitt Romney, mórmon riquíssimo, tirou do próprio bolso 35 milhões de dólares para viabilizar-se candidato. Acaba de desistir da disputa.
Na nossa política, os caciques fazem parecer uma estupidez ingênua consultar um bando de anônimos que desconhecem os labirintos da política e as engrenagens afiadas de uma campanha. Na verdade, é discurso para encobrir a esperteza malandra de coronel partidário. E, claro, acumular poder – de mando, de ganho e de chantagem.
As primárias americanas são repletas de defeitos. São alvo freqüente de chicanas e não eliminam o poder dos barões, que têm influência nas decisões e podem, em situações determinadas, dar a cartada final. Não é um processo acabado. Mas é melhor que jantar, almoço ou prévia para aclamação. O eleitor brasileiro acha que é enganado depois que o eleito toma posse.
Talvez o engano comece antes.
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