Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 13, 2007

Não esquentemos a cabeça João Ubaldo Ribeiro



Sim, os leitores contumazes desta coluna, se é que ela os tem, devem lembrar que meu saudoso amigo Luiz Cuiúba, quando provocado a falar sobre mim, citava sempre d. Madalena, nossa professora. 'Ele é boa pessoa, não se vai negar', afirmava Cuiúba. 'Mas d. Madalena cansava de dizer que ele tem um problema na idéia e quem conhece ele sabe que é verdade.' E, claro, amigo e professora de infância sempre têm razão, quando opinam sobre a gente. Eu, lamentavelmente, padeço de um problema na idéia desde pequeno. Já desisti de consertá-lo, até porque ele é difícil de caracterizar, se disfarça muito.

Bem verdade que quem sai aos seus não degenera e meu avô materno, o combativo quão poderoso coronel Ubaldo, da mesma forma já mencionado aqui em outras ocasiões, também tinha, vamos admitir com franqueza, um problema na idéia. Tanto assim que, de vez em quando, a cabeça dele esquentava a tal ponto que ele intimava o primeiro infeliz que passasse por perto para abanar-lhe a careca enquanto durasse o surto de esquentamento. Ventilador, nem pensar, pois ele abominava toda e qualquer coisa que tivesse a ver com eletricidade e jamais tocou em nada elétrico na vida, nem interruptor de luz - ordenava a alguém que acendesse a luz.

E certamente devo chamar a atenção para a circunstância de que os leitores também já devem ter observado esse meu problema, embora só muito poucos tenham tido a oportunidade de testemunhar as fofas (pronuncia-se 'fófa', com o 'o' aberto e, já que estamos perto de mudanças ortográficas, tomarei a liberdade de doravante grafar 'fófa') que, quando o esquentamento na cabeça não é superado, acometiam tanto meu avô quanto hoje a mim. A fófa consiste em cair prostrado na cama em decúbito ventral, revirar os olhos e bufar freneticamente com os lábios e o queixo tremendo. Para tratar meu avô, bastava um vidrinho de leite de magnésia de Phillips, a última novidade da medicina que aceitou, até morrer de velho. Mas não tomava o remédio nunca, apenas se acalmava aos poucos, olhando para o vidrinho azul. Minhas fófas, receio eu, já se globalizaram, mas a metodologia permanece a mesma. Me receitam bolinhas, eu leio as bulas, não tomo nada e acabo me desfofando.

É difícil, pelo menos para os fofistas que creio também haver entre vocês, ler um jornal ou assistir a um noticiário de televisão sem pelo menos esquentar a cabeça. Infelizmente, não conto com um pelotão de abanadores de careca como meu avô, mas, em compensação, não tenho medo de objetos movidos a eletricidade e sou homem de, em momentos mais sérios, quase enfiar a cabeça por um condicionador de ar adentro. Estou sem fófas desde o início do ano. Não sei se é porque o governo não começou ainda e é possível que o presidente não tenha terminado de achar todos os que o desancaram para dar-lhes ministérios e assim desmascará-los, mas o fato é que, apesar de certos eventos, ainda não deu para uma fófa.

Mas para esquentar a cabeça, sim. Não é possível que as cabeças de vocês também não esquentem, com as notícias que a gente ouve e lê. Por exemplo, a economia vai mal ou bem? As notas, reportagens e até releases disfarçados por vezes se contradizem na mesma página de jornal, ou no mesmo noticiário de tevê. Estamos ameaçados de apagão ou não? Temos a infra-estrutura para crescer economicamente ou não? Vai ser minorado o problema da violência ou não?

Pelo que se lê ou escuta, não dá para saber. Por exemplo, liguei a televisão e assisti a um senhor muito sério falar em aumento da oferta de empregos no Brasil. Sei que a estatística, como já se disse, é freqüentemente a arte de mentir com precisão, mas, pelo que ele asseverou, estamos bem, estamos muito bem, estamos até atraindo mão-de-obra do exterior, vejam que beleza. E a cabeça pára de esquentar, mas, insensatamente, mudo de canal e pego mais gente falando sobre emprego. Nada disso, afirma logo outro noticiarista, desta feita um repórter conversando com desempregados em todo o Brasil, gente que procura trabalho há anos sem achar nada e ocupações que não existem em outras partes do mundo, como guardadores de lugar em filas, donatários de ruas, praças e calçadas para estacionamento e membros profissionais de partidos que dêem emprego. A necessidade é a mãe da porcaria e por causa dela ficamos nesta situação, digamos, geradora de fófas.

Temeroso, decido desligar a tevê e vou olhar minha fornida e-mailspondência (desculpem, desculpem, não escrevo mais esta barbaridade), para esquecer realidade tão dura. Vejo logo a mensagem de um amigo americano com quem há muito tempo não falo. Vai tudo bem e Larry, o filho dele, está quase para se formar numa universidade. Nos períodos de folga, já encontrou diversos empregos temporários, dos muitos que uma pessoa empreendedora pode arrumar por lá. Vocês vão achar que estou mentindo e por isso, pelo menos num dos casos, mato a cobra e mostro o pau. Não sei o nome do professor que dirigiu o estudo de que Larry foi 'freguês', mas o fato é que, há dois verões, ele foi pago para dormir, numa pesquisa sobre o sono. No verão passado, sério mesmo, ele foi, digamos, piloto de provas de camisinhas e, a julgar pelo que me dizem do Larry, deve ter feito algum sucesso nessa condição. E, finalmente, este ano, vai trabalhar rindo profissionalmente, numa tal de Laughter Therapy Enterprises, ou seja Empresas de Terapia pelo Riso, no Colorado. Quem sabe se, no futuro, ele não ganhará a vida na folgança, rindo durante o expediente e testando camisinhas nas horas vagas? Aqui, penso eu rancorosamente, só quem faz isso é o governo - e em cima da gente, à nossa custa. Alguém aí pode ceder um frasco de magnésia para eu espiar?

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