Eles querem afundar o Líbano Confronto entre o Exército libanês e fanáticos islâmicos ameaça jogar o país em nova guerra civil Thomaz Favaro
Mohammed Zaatar/AP | Ramzi Haidar/AFP | Hussen Malla/AP | Acima, os fanáticos do Fatah al Islam. Ao lado, base terrorista bombardeada pelo Exército em campo de refugiados e, à direita, soldado morto em Trípoli: aos civis palestinos, só restou fugir | O Líbano pode ser comparado a uma bomba-relógio cujo tique-taque é acompanhado com angústia por todo o mundo, sobretudo pela maioria dos libaneses. A cada dia que passa, o equilíbrio entre as variadas facções religiosas e políticas do país, estabelecido com o fim da guerra civil, em 1990, torna-se mais frágil. Na semana passada, a facilidade de ação de um grupelho de fanáticos, que arrastou o Exército libanês para um impasse letal, com quase uma centena de mortos, tornou dolorosamente concreta a ameaça de o país novamente se estilhaçar em lutas faccionais. O confronto entre o Exército e os islâmicos entrincheirados num campo de refugiados palestinos vem numa péssima hora para o Líbano, já devastado por uma guerra com Israel no ano passado. Desde então, o governo libanês, que tem o apoio do Ocidente, enfrenta a oposição feroz de uma coligação pró-Síria, liderada pelo Hezbollah, o movimento xiita que provocou, com atos terroristas, o conflito com Israel. A questão neste momento é a seguinte: a quem interessa a desintegração do Líbano? O suspeito de sempre é a Síria, o vizinho poderoso que dois anos atrás retirou suas tropas depois de 29 anos de presença militar no Líbano. O conflito da semana passada começou no domingo 20 de forma banal: a polícia tentou prender quatro militantes do Fatah al Islam, nos arredores de Trípoli, no norte do país. Eles eram procurados por assaltar um banco, no dia anterior. Militantes islâmicos responderam atacando postos e patrulhas militares nos arredores do campo de refugiados Nahr al Bared, onde o grupo tem sua base. O Fatah al Islam inspira-se na ideologia da Al Qaeda, a organização terrorista de Osama bin Laden. O governo libanês diz que o grupo é, na verdade, criação do serviço secreto sírio. O objetivo de Damasco, ao armar o bando de fanáticos, seria deixar claro aos libaneses que, sem a patronagem síria, o país não terá estabilidade ou paz. A explosão na semana passada de carros-bomba em bairros cristãos e sunitas parece ter sido planejada exatamente para acirrar os ânimos entre comunidades rivais. O Exército libanês é formado pelas várias comunidades confessionais libanesas – drusos, sunitas, xiitas e cristãos. Já o Fatah al Islam reúne sobretudo palestinos e árabes estrangeiros atraídos pela Guerra Santa. Não conta com mais de duas centenas de militantes, mas é bem armado. Formado há apenas seis meses, o grupo fortaleceu-se no vácuo de poder do campo de refugiados de Nahr al Bared, um dos doze existentes no Líbano, onde vivem 225 000 palestinos. Por força de um acordo assinado em 1969, o Exército libanês não pode entrar nos campos. A tensão causada pela existência de um estado palestino dentro do estado libanês foi um dos estopins da guerra civil que matou 150.000 pessoas. Nos últimos anos, da mesma forma que ocorreu em Gaza, o nacionalismo secular tradicional do Fatah perdeu espaço para o fanatismo islâmico, ao estilo do Hamas e da Al Qaeda. Nesse contexto, o Fatah al Islam pode muito bem ser a fagulha que falta para acender o pavio da guerra civil no Líbano. Em princípio, a maioria da população apóia o Exército. No nebuloso universo político libanês, contudo, cada caudilho tende a ver os acontecimentos sob o prisma dos próprios interesses – e estes nem sempre coincidem com os da manutenção da estabilidade no Líbano. Uma nova guerra civil no Líbano tem o potencial de provocar perigosas ondas de choque em todo o Oriente Médio. Há dois motivos para isso. O primeiro é o novo contexto internacional da crescente militância islâmica. O segundo é a existência de uma multiplicidade de focos de tensão na região, como a ameaça nuclear no Irã, a ocupação americana no Iraque e o agravamento do conflito árabe-israelense. "Um Líbano instável é terreno fértil para a criação de grupos extremistas e palco propício ao desdobramento de disputas regionais", disse a VEJA a americana Mona Yacoubian, analista do Instituto de Paz dos Estados Unidos, em Washington. |