3.000 anos antes de Cristo. No Brasil, as obras públicas constituem
uma fonte quase inesgotável de roubalheira.
Em 1665, disse o Padre Antônio Vieira: "Perde-se o Brasil porque
alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar nosso bem, vêm cá
buscar nossos bens (...) Toma nesta terra o ministro da Justiça? Sim,
toma. Toma o ministro da Fazenda? Sim, toma. Toma o ministro da
República? Sim, toma. Toma o ministro do Estado? Sim, toma'.
Naquela época, o governador da capitania do Rio de Janeiro era o
único tido como honesto. Por isso, ao ser perguntado por D. João IV
sobre a conveniência de se dividir as terras do Maranhão-Pará em dois
governos, Padre Vieira sugeriu que tudo permanecesse como estava,
pois "um ladrão num cargo público é um mal menor do que dois".
No Brasil colonial, por uma boa propina se fazia vista grossa do
contrabando nos navios estrangeiros. Depois da Independência, grossa
corrupção ocorria no tráfico de escravos, que se tornara ilegal, mas
os negros continuavam chegando.
No Império, as empresas de obras públicas eram escolhidas com base em
suas relações com gente do governo. Nem a República, nem os regimes
autoritários, nem a democracia mudaram essa situação. Já se aceitou
até mesmo o "rouba, mas faz" de certos políticos.
Felizmente, agora isso pode estar mudando. É crescente a intolerância
com a corrupção e a percepção de que ela prejudica o desenvolvimento.
De fato, o desvio de recursos públicos reduz a capacidade do Estado
de aplicá-los em infra-estrutura, na melhoria dos serviços essenciais
para o crescimento e nos programas sociais em favor dos pobres.
William Easterly classifica a corrupção em dois campos: a
descentralizada e a centralizada. Na descentralizada, os corruptos
não se coordenam entre si. Na centralizada, um líder ou um grupo
organiza as atividades ilícitas, coopta servidores e distribui os
resultados, para si e para outrem. É claramente o que mostra a
Operação Navalha conduzida pela Polícia Federal.
A qualidade das instituições influencia o nível de corrupção. Boas
instituições permitem detectar, investigar e punir a corrupção,
criando incentivos ao bom comportamento. Além disso, a corrupção pode
ser inibida por um serviço público profissionalizado, pela admissão
por processos competitivos e pela adoção do princípio do mérito na
escolha de dirigentes. Na contramão, nosso governo federal pode
preencher mais de 20 mil postos por indicação política.
O sistema capitalista depende, para funcionar bem, de um Estado
forte, isto é, dotado de instituições que estimulem o investimento, a
competição e a inovação. Nos países em desenvolvimento, como o
Brasil, a ação do Estado costuma infelizmente ser posto a serviço de
más políticas de desenvolvimento, o que inclui a concessão de
benefícios aos escolhidos pela burocracia e o provimento estatal de
infra-estrutura econômica. O Estado se torna forte no atendimento do
interesse de grupos e em ações criadoras do incentivo à corrupção,
mas permanece fraco em áreas cruciais para o crescimento, como a dos
marcos regulatórios.
Segundo a Transparência Internacional, no mundo inteiro a construção
civil pesada é uma das mais poderosas fontes de corrupção. Por isso,
ela recomenda estruturar boas instituições, profissionalizar a
burocracia e melhorar a governança das empresas.
A corrupção funciona como as escolhas econômicas. Nela, o corruptor e
o corrupto, mesmo sem o perceber, comparam os benefícios com os
riscos de serem descobertos e punidos. Se os riscos forem percebidos
como pequenos, de que eles não irão para a cadeia, a corrupção se
torna um bom negócio.
É preciso, pois, melhorar a capacidade de detectar, investigar e
punir a corrupção. A transparência e a impessoalidade na gestão
pública constituem peças fundamentais no processo. Nos países ricos,
a corrupção é menor precisamente porque dispõem de instituições que
cumprem com muito rigor essas funções.
Ao contrário do que se pode pensar, a corrupção não aumentou. Ficou
mais exposta, graças a esforços como os da Polícia Federal, ainda que
com muitos exageros. Espera-se que o Ministério Público e o
Judiciário exerçam seu papel e promovam a condenação rigorosa e
exemplar dos corruptos identificados e processados.
*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências
Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br