Com medidas rigorosas, José Serra
retoma o controle das prisões paulistas
Rafael Corrêa
Fotos Diego Padgurschi/Folha Imagem e Fabiano Accorsi |
José Serra brinca com uma arma diante de fotógrafos. Mas o governador não está para brincadeira quando o assunto são as penitenciárias do estado. Elas são regularmente revistadas por agentes especiais (à dir.) e presos indisciplinados agora sofrem sanções |
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Uma das vergonhas nacionais é o fato de bandidos continuarem agindo de dentro dos presídios. De sua cela, líderes de facções planejam assaltos, ordenam assassinatos e comandam rebeliões como as que levaram o caos às prisões paulistas há um ano. É óbvio, portanto, que uma das melhores formas de combater a criminalidade é tornar mais rigoroso o sistema prisional. Foi o que fez o tucano José Serra desde que assumiu o governo do estado de São Paulo. As evidências e os dados de inteligência recolhidos pela polícia mostram que o governo conseguiu retomar o controle dos presídios antes assolados pela indisciplina e dominados pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC. O resultado é que, de janeiro até abril deste ano, não ocorreu nenhuma rebelião e o número de fugas caiu 33%. A palavra de ordem de Serra é disciplina – todo preso que comete uma falta, seja o uso de celular, seja a agressão a um funcionário, deve ser investigado. E, se for o caso, punido com a perda de benefícios, como a progressão de pena, conforme prevê uma lei que parecia esquecida. Com isso, o número de processos administrativos cresceu 48% na média mensal em relação a 2006. Para acabar de vez com a impunidade, o governo montou uma rede, dentro dos presídios, para identificar as lideranças e provar sua responsabilidade naquilo que acontece de errado.
A tolerância anda próxima do zero. Um exemplo: no fim de fevereiro, alguns presos fizeram uma "greve branca". Recusaram-se a comparecer a apresentações judiciais ou a trabalhar nas oficinas das penitenciárias. Segundo a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), encarregada de administrar o sistema prisional paulista, não houve nenhum incidente grave durante o movimento. No entanto, como o protesto dos presos, mesmo sendo pacífico, pode configurar uma infração, a SAP instaurou 2 193 processos para determinar se os presos serão punidos com a perda de benefícios. As providências não param por aí. Enquanto não são construídas novas unidades, o governo estadual se encarrega de diminuir as complicações decorrentes da superlotação. Os presídios que tinham regime semi-aberto e fechado foram reestruturados para abrigar somente um tipo de regime. Isso evita que presos do semi-aberto funcionem como fonte de informações e contrabando para os detentos do fechado. Os dezenove presídios avariados durante as rebeliões do ano passado passaram por reformas. Três deles, que foram totalmente destruídos, como o de Araraquara (veja fotos e quadros nestas páginas), tiveram sua segurança e capacidade ampliadas. O resultado são 4.500 novas vagas no sistema.
Fotos Marlene Bergamo/Folha Imagem e divulgação | |
O PRESÍDIO DE ARARAQUARA A prisão no interior paulista foi totalmente destruída pelos presos durante as últimas rebeliões de 2006. O governo estadual gastou 16 milhões de reais na reforma da penitenciária | ANTES Capacidade: 1 000 vagas Lotação: 1 543 presos Número de agentes: 180 Equipamento de segurança: apenas uma câmera de circuito fechado de televisão (CFTV) |
O rigor disciplinar do novo governo também se estende ao corpo de funcionários da SAP. Diretores de presídios e agentes são avaliados regularmente por quesitos como número de fugas e abuso de força. Até o momento, onze administradores já foram afastados por insuficiência técnica, e o número de funcionários investigados em processos administrativos aumentou 27% de 2006 para 2007 na média mensal. Sete integrantes do alto escalão da SAP – entre eles, o diretor da Escola de Administração Penitenciária e o corregedor administrativo do Sistema Prisional – também foram colocados na geladeira.
Outra boa medida de Serra foi reaproximar a SAP e a Secretaria da Segurança Pública, responsável pelas forças policiais. O distanciamento entre as duas foi um dos fatores que propiciaram condições para o PCC crescer dentro das cadeias e estender seu poder para as ruas. "Agora, elas funcionam como um time. Esse entrosamento é fundamental. Sem unidade, não dá para enfrentar organizações criminosas", diz Serra. A eficiência atual do Grupo de Intervenção Rápida (GIR) é resultado da harmonia que passou a existir entre as duas secretarias. O GIR é formado por agentes penitenciários encarregados de conter rebeliões e fazer revistas nos presídios. O treinamento desses agentes é feito por instrutores da Polícia Militar, que lhes repassam técnicas semelhantes às empregadas pelo batalhão de choque. Durante duas semanas, eles são treinados para usar escudos, cassetetes, espingardas de balas de borracha e outras armas não letais. Se necessário, a Polícia Militar é acionada para acompanhar as ações do GIR e dar reforço a elas. Graças às revistas-surpresa, que foram intensificadas na atual administração, somente até abril deste ano já foram apreendidos 800 celulares nos presídios paulistas.
Fotos Roberto Setton |
APÓS A REFORMA Capacidade: 1 504 vagas Lotação: o presídio ainda não foi reocupado Número de agentes: 260 Equipamentos de segurança: central de monitoramento com câmeras de CFTV e portas com sistema de abertura acionado a distância |
Para alcançar resultados tão bons, Serra eliminou o que se pode chamar de "cultura da permissividade". Até então, o governo negociava regras com os presos, como se eles fossem sindicalistas do sistema prisional. Manter o secretário Antonio Ferreira Pinto na pasta da SAP foi determinante no sentido de dar um fim a esse tipo de atitude. Ferreira assumiu a função em junho de 2006, um mês depois da megarrebelião em que 74 penitenciárias foram tomadas pelo PCC enquanto bandidos ligados ao bando destruíam prédios públicos e assassinavam policiais na ruas de São Paulo. Em julho passado, o atual secretário foi muito criticado por deixar os presos de Araraquara trancafiados em um único pavilhão da penitenciária que eles mesmos destruíram durante uma revolta. Os mais de 1.500 detentos foram mantidos dormindo ao relento, sem banheiros suficientes e recebendo comida por meio de um guindaste. Na ocasião, a medida foi tachada de radical e desumana, inclusive por VEJA. É preciso admitir, contudo, que isso acabou surtindo um efeito disciplinador na massa carcerária. "Foi um divisor de águas. Mostrou para os detentos que o controle dos presídios está nas mãos do estado, e não nas deles", diz Ferreira.
O maior aperfeiçoamento do sistema penitenciário ainda esbarra em questões que ultrapassam a esfera estadual e que dependem do Poder Legislativo. Em vários casos, a lei brasileira favorece os presos em detrimento da sociedade. Um bom exemplo disso é a impossibilidade de manter o líder do PCC, Marcos Willians Camacho, o "Marcola", no Regime Disciplinar Diferenciado. O RDD prevê isolamento máximo para presos perigosos e líderes de quadrilhas durante um ano, sendo o prazo prorrogável por mais 360 dias. Depois de passar um ano no RDD, Marcola foi transferido para a prisão de segurança máxima de Presidente Venceslau, com isolamento menos rígido. O poder público não conseguiu apresentar provas suficientes para justificar sua permanência no RDD. Se fosse um preso submetido às leis do estado da Califórnia, nos Estados Unidos, Marcola poderia passar o resto da vida numa supermax. Esse tipo de prisão, que serviu de base para o RDD brasileiro, possui um sistema de segurança que isola completamente líderes de gangues. Marcola pegaria uma cana brava dessas não por ter cometido uma falta grave, como prevê a lei que rege o RDD, e sim pela simples condição de ser um chefe de facção criminosa. Mas o Brasil ainda há de chegar lá.