Câmbio levou governo a estado de euforia e criou dilema sobre como agir diante da queda da moeda americana
'É uma notícia excelente por dia', comemorava, na semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, folheando os jornais. Segunda-feira, a Caixa Econômica Federal anunciou o maior lucro obtido num primeiro trimestre desde sua criação, há 146 anos: R$ 777,6 milhões. Quarta-feira, a agência classificadora de risco Standard & Poor's informou que o Brasil está a um passo de se igualar às economias mais desenvolvidas.
Quinta-feira, foi batido o recorde de geração de empregos com carteira assinada: 301.991 vagas em abril. No mesmo dia, o Tesouro Nacional conseguiu, pela primeira vez, vender títulos no mercado interno pagando juros abaixo de 10% ao ano.
O problema foi a boa notícia da terça-feira: a cotação do dólar rompeu a barreira dos R$ 2, depois de seis anos acima dessa marca. O fato levou o governo a um estado de euforia e, ao mesmo tempo, apreensão. Afinal, a enxurrada de recursos externos entrando no País garante preços baixos no mercado interno, o que beneficia, principalmente, o eleitorado preferencial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e leva alegria para as famílias de classe média, que organizam férias no exterior. O ruim é que o real valorizado pode criar um problema no curto ou médio prazo, dependendo da capacidade de reação do empresário nacional, ou seja, a possibilidade de perda de receita das exportações.
O governo define a valorização do real como 'um problema bom'. Mas não é assim para parte do setor produtivo, principalmente o exportador. O dólar baixo reduz o ganho e aumenta a competição de produtos brasileiros no exterior.
No limite da exaustão desse modelo está a possibilidade de debilidade do parque industrial, como alertou o ex-secretário de Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida. Processo que ele chamou de desindustrialização. A área econômica não compartilha desse entendimento - acredita que o dólar baixo é uma oportunidade de modernização do parque nacional, com a importação de máquinas e equipamentos. O fato é que a questão do câmbio se transformou em um dilema. A pergunta que todos se fazem no governo é como agir diante da queda do dólar.
A moeda abaixo de R$ 2 reforçou apreensões do setor privado e tornou emergenciais medidas para socorrer segmentos prejudicados. Mas Lula foi rápido em estabelecer limites nas discussões. 'É bom para uns, ruim para outros e certamente para quem vive de salário é bom', afirmou, quando lhe pediram para comentar o dólar a R$ 1,96. Ali estava o recado para o empresariado: o dólar barato é bom para quem elegeu Lula.
Não se trata, porém, apenas de considerar a forma de compensar setores afetados. No governo, há quem defenda uma queda acentuada da taxa de juros, a Selic. 'As condições para a queda das taxas de juros estão dadas. Mexer no câmbio pode significar uma desarrumação da economia', disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ao Estado na quinta-feira.
Se o Banco Central vai tentar segurar a valorização do real reduzindo a Selic só se saberá no dia 6, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) encerra sua próxima reunião. Economistas que até a semana passada apostavam num corte de 0,25 ponto porcentual começam a acreditar num corte de 0,50. 'Esse é o mínimo que esperamos. Se vier 0,75, será lucro', disse um ministro.
A avaliação no governo fora do Banco Central é de que há espaço para cortar mais os juros porque a inflação está em queda. O dólar barato tem segurado preços, num movimento parecido com o do início do Plano Real, quando se usou a 'âncora cambial'. A diferença é que, agora, a política é de câmbio flutuante, que permite que a cotação do dólar varie conforme a menor ou maior oferta da moeda estrangeira.
Mantega tem mantido cautela e discrição sobre o câmbio. Mas não esconde que o real valorizado e o risco de estrangulamento da infra-estrutura dificultam a entrada do País num ciclo sustentado de crescimento. 'Mas é melhor administrar os problemas do crescimento do que os problemas de uma crise', disse. Nos bastidores, a movimentação dos técnicos é condizente com essa visão.
Estudos apontam para uma solução que não vai alterar drasticamente a cotação do dólar no curto prazo, muito menos provocar choque na economia. São medidas conjunturais para aliviar os problemas das empresas, como proteger o setor de móveis, adotando tarifa de importação de 35% - a mais alta possível. Também pode haver mudança nas regras tributárias, para que o exportador receba créditos acumulados contra o Fisco.
O governo afirma ainda que, em algum momento, vai desonerar a folha de salários das empresas que empregam muita mão-de-obra, entre as quais estão alguns dos maiores prejudicados pelo câmbio (ler mais na página seguinte).
A aposta do governo é uma solução estrutural, de médio e longo prazos: inovação tecnológica. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, alertou que empresas obsoletas poderão 'morrer' diante do dólar barato e classificou o processo como 'natural'. Ele aposta na inovação não só para setores que já têm problemas, como calçados e têxteis, mas também para setores que enfrentarão em breve a concorrência dos chineses, como o automobilístico.