Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 19, 2007

Saúde O livre-comércio de rins na internet

O corpo à venda

Com a ajuda da internet e sem a fiscalização
do governo, cresce no país o criminoso
comércio de rins


Marcelo Bortoloti

Luiz Morais
Tiago: ele pede 40 000 reais para fazer a doação

Existem 32 000 pessoas esperando por um transplante de rim hoje no Brasil. É uma longa fila, que demora entre três e dez anos para ser vencida. Quem encara essa espera são doentes renais que não têm nenhum parente ou amigo com órgão compatível e disposto a doá-lo. Essa dificuldade vem estimulando o comércio de órgãos, que encontrou, na internet, um caminho aberto para as negociações. Os rins são oferecidos, em média, por 80 000 reais. Mas há quem arrisque pedir até 500 000 reais. O comércio, embora proibido por lei, é uma solução tentadora para os doentes em situação de desespero, cujo tempo de vida está se esgotando. Com um doador particular, ele não precisa esperar na fila e pode receber o órgão imediatamente, se os testes indicarem que existe compatibilidade. O passo seguinte é buscar a autorização judicial, obrigatória no caso de transplantes entre não parentes. Para concretizar a operação, basta que doador e receptor se declarem amigos perante o juiz. Como a fiscalização é falha, dificilmente se consegue desvendar a mentira. O indício do avanço desse comércio está nos dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. Nos últimos quatro anos, a doação entre parentes se manteve estável, na faixa de 1.500 por ano. A doação entre cônjuges caiu de 148, em 2002, para 121, em 2006. E, no mesmo período, a doação entre amigos aumentou de setenta para 114 ao ano.

Os números podem parecer pequenos, mas o que está em jogo é a tendência que se verifica. O crescimento foi de 62%. Há três anos, a CPI do Tráfico de Órgãos sugeriu, em seu relatório final, que o Ministério da Saúde acompanhasse de perto o número de transplantes entre não aparentados. Classificou essa modalidade como um "propiciador do comércio de órgãos". Até hoje o acompanhamento não é feito. Existem dezenas de anúncios disponíveis na rede, com e-mail para contato e alguns até com o telefone do vendedor. Esse tipo de oferta aparece também em classificados de jornal. O problema já é conhecido pelos médicos. O Hospital do Rim, de São Paulo, se recusa, por conta própria, a fazer transplantes entre não parentes. "Há pessoas que doam apenas para fazer o bem. Mas isso não é a maioria. É difícil para um juiz saber se está havendo ou não algum tipo de troca", diz o médico Osmar Medina, diretor do programa de transplantes do hospital.

Classificados: rins à venda até em anúncios de jornal

A decisão de vender um rim não é fácil. Quem segue esse caminho normalmente está tomado pelo desespero da falta de dinheiro. VEJA conversou com uma dessas pessoas. Tiago (a seu pedido, seu sobrenome não pode ser revelado) tem 27 anos e mora em Natal, no Rio Grande do Norte. Ele usou a internet para oferecer seu rim. No anúncio, divulga telefone, e-mail e pede 40 000 reais. "Uma amiga de Sergipe vendeu seu rim a um receptor em Minas. Pouco antes do transplante, teve o dinheiro depositado na conta. Foram 80 000 reais", diz. É possível encontrar razões humanitárias para a venda de órgãos, principalmente da parte de quem compra. Mas a lei é clara ao proibir. Para evitar que o desespero seja um combustível poderoso nas mãos dos traficantes de órgãos, o governo precisa agir rápido. Não dá para esperar mais.

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