Manifestantes desafiam a Justiça e promovem
um festival de badernas no país
Tiago Queiroz/AE | Bruno Domingos/Reuters |
A polícia que apanha: à esquerda, manifestantes partem para cima dos PMs paulistas. No Rio, eles levam tiros dos traficantes |
Mais uma vez restou aos cidadãos trabalhadores assistir, num misto de estupefação, indignação e impotência, a um festival de badernas no país. Em São Paulo, 5 000 pessoas tentaram invadir a Assembléia Legislativa do estado. A bagunça começou na Avenida Paulista como um protesto da CUT contra a Emenda 3, que todo mundo xinga sem saber do que se trata (ela proíbe aos fiscais da Receita atuar como juízes do Trabalho), mas serve de pretexto ao proselitismo das centrais sindicais. Grevistas do Banco Central e do Ibama, universitários e professores estaduais apareceram para dar uma força e o protesto terminou em pancadaria. Na Universidade de São Paulo, um grupelho de estudantes desmiolados, que já ocupava a reitoria havia vinte dias, recusou-se a obedecer a uma ordem judicial de reintegração de posse e montou uma barricada de pneus para impedir o acesso da polícia – com o apoio de professores igualmente desajuizados e funcionários corporativistas. Seu objetivo: evitar que o governo estadual adote medidas que dêem transparência às contas das universidades públicas paulistas. Como não podia deixar de ser, os sem-terra contribuíram para a arruaça. Bloquearam a Via Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, e outras 29 estradas em oito estados. No Pará, 600 pessoas ligadas à organização internacional Via Campesina, a um certo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e ao MST invadiram a sala de controle da hidrelétrica de Tucuruí, que produz 10% da energia consumida no país. Por fim, a cereja estragada nesse bolo indigesto: traficantes que dominam as favelas do Complexo do Alemão, no Rio, encurralaram moradores e policiais com outro daqueles tiroteios típicos de zonas conflagradas.
A existência de movimentos sociais e estudantis é inevitável em nações democráticas, como o Brasil, ainda que a meta final desses grupos seja eliminar a democracia e instaurar uma ditadura socialista. Mas a condição é que ajam dentro da legalidade. Em nenhum dos casos descritos os manifestantes se preocuparam em respeitar a Justiça ou as mais comezinhas regras de civilidade. Ordens judiciais foram insolentemente ignoradas, patrimônios públicos foram depredados, cidadãos perderam o direito de ir e vir e até a polícia apanhou. "O estado democrático de direito se baseia no cumprimento por todos dos preceitos legais. Na semana passada, a pretexto de exercer a cidadania, os manifestantes causaram um caos social", diz o advogado Rubens Approbato Machado, ex-secretário de Justiça de São Paulo.
Felipe Araujo/AE | Reprodução |
Uma barricada de pneus na USP e a invasão de Tucuruí: desrespeito à sociedade em todos os níveis |
Num discurso proferido em 1947, em São Paulo, o ex-presidente Getúlio Vargas ironizou aqueles que dão as costas para a Justiça. "A lei, ora a lei...", disse Vargas, referindo-se ao modo de pensar dos empresários espertalhões que burlavam leis trabalhistas. Em todos os níveis, a taxa de honestidade no Brasil continua bastante aquém do desejável. Mas, bem ou mal, o país vai encontrando uma maneira de coibir a corrupção e os desmandos desse tipo. É bem mais grave, contudo, quando o acinte à lei é explícito, violento e implica transtornos nas cidades, depredações de propriedades, públicas ou privadas, e constrangimentos a cidadãos. Não faz diferença se o desrespeito à ordem jurídica é obra de estudantes mimados, sindicalistas inescrupulosos ou traficantes de drogas. É essencial que o estado dê uma resposta fulminante a todas essas ameaças. Sem pulso firme no combate a tais situações, o tecido social se gangrena e a democracia sai enfraquecida. A quem isso interessa?