Renan ofereceu a prova de como está minado o terreno de reações à
operação da PF e a seus desdobramentos
RENAN CALHEIROS : era só questão tempo; não é mais.
Desde o colapso da trupe Collor, Renan Calheiros poderia ter ido.
Mas, de lá para cá, não esperou em vão a sua hora, muito ao
contrário. Daí não se deduza que, com tamanha tardança, a sua hora já
não seja oportuna.
Renan Calheiros esteve entre os primeiros a fazer ressalvas e
restrições à operação em curso da Polícia Federal. Ao menos por três
vezes levou o assunto a Lula, com a força de pressão implícita na sua
condição de presidente do Senado e chefe de uma banda do PMDB. Logo
os protestos se avolumaram no Congresso. Com a descarga de ira de um
ministro do Supremo Tribunal Federal, que informações policiais
confundiram com um homônimo sob suspeitas, os protestos a adotaram
como cobertura para criar uma onda contra a ação policial no ambiente
da corrupção política. A onda, na semana que entra, seria
avassaladora, com a complacência do governo.
Renan Calheiros proporcionou a prova viva, contra a onda que já
conquistara a dubiedade de Lula, de como está minado o terreno das
reações à Operação Navalha e aos seus prováveis desdobramentos.
As operações da Polícia Federal contêm, de fato, exibicionismo e
prepotência física mais coerentes com a forra de ressentimentos,
sociais ou administrativos, do que a alegada prevenção de resistência
e riscos. Na atual operação ocorre, também, o vazamento de nomes e
fatos, obviamente por policiais, constantes em processo posto sob
segredo de Justiça. Este último problema, no entanto, decorre de dois
fatores compreensíveis: a busca obsessiva de informação, que é da
natureza do jornalismo e, no caso, alimentada pelas conveniências
policiais de expor e proteger seu trabalho; e, como fator associado,
a transgressão a um segredo de Justiça que só se vê aplicado como
proteção aos de nível social elevado.
As reações à arbitrariedade e às revelações irrestritas misturam o
respeitável e muitos interesses baixos, sejam ditados por alianças
políticas ou pela necessidade de proteger-se enquanto é tempo. Diante
disso, faltar com a contribuição devida às críticas justificáveis é
ruim, mas associar-se ao uso que delas fazem os espertos temerosos
parece ainda pior, a meio da imensa degringolada ética do país. Este
é o problema em que, conscientes ou não, estão juizes dirigentes da
classe, advogados, políticos sérios (ainda existem, sim), e, a todo
instante, os jornalistas.
Nesse emaranhado que põe tudo e tantos diferentes no mesmo nível, os
equívocos e a hipocrisia proliferam. Receber um brinde de Natal, por
exemplo, de repente lança um parlamentar ou um ministro a meio dos
corruptos matriculados. Mas ninguém faz patifaria por ter recebido
uma agenda ou um brinde, faz por ser patife. Enquanto isso, nove
deputados e um senador, governistas e oposicionistas, fazem um tour
nos Estados Unidos, com as melhores mordomias, à custa da Bolsa de
Mercadorias e Futuros -e isso não tem, para o jornalismo e outros
setores, implicação antiética nem sequer equivalente a uma agenda ou
qualquer brinde natalino.
Os deputados são Maurício Rands, PT-PE; José Carlos Aleluia, DEM-BA;
Rodrigo Maia, DEM-RJ; Antonio Carlos Magalhães Neto, DEM-BA; Paulo
Teixeira, PT-SP; Duarte Nogueira, PSDB-SP; Luiz Carlos Hauly, PSDB-
PR; Colbert Martins, PMDB-BA, e Arnaldo Jardim, PPS-SP; o senador é
Jonas Pinheiro, DEM-MT. Quando voltarem, todos estarão prontos a
retomar sua pregação em defesa da democracia e da moralidade na vida
pública.