Deputados revelam um comportamento monolítico da base de apoio ao
governo sem precedentes desde a redemocratização do País. Acostumado
com os embates legislativos durante o governo Fernando Henrique
Cardoso - quando dificilmente obtínhamos a unanimidade dos partidos
da base de apoio na aprovação das grandes reformas que construíram as
bases para a bonança econômica que hoje vivemos -, surpreende-me
agora observar um inusitado comportamento obediente e sem dissensões.
Isto tudo protagonizado por partidos que sempre revelaram certa
heterogeneidade de pensamento e de ação.
Essa hegemonia política do governo transborda o Parlamento e abrange
também outros segmentos sociais. Quem não observou o comportamento
dócil das centrais sindicais nas comemorações do dia 1º de Maio
passado? De outro lado, as manifestações do empresariado não são
menos favoráveis ao governo e os próprios meios de comunicação
parecem ter perdido subitamente seu senso crítico e seu poder de
questionamento, perdoando gafes, contradições e insensatezes
protagonizadas pelas mais altas autoridades.
Um observador menos avisado consideraria o fenômeno normal, dadas as
circunstâncias de ter sido o presidente recentemente reeleito com 60%
dos votos e a economia apresentar um comportamento razoável, apesar
de medíocre. Sem dúvida, são duas condições que favorecem o
entendimento e diminuem as arestas políticas.
Essa unanimidade, entretanto, não está sendo construída em torno de
idéias ou de propostas para o desenvolvimento do País. No plano
político, a argamassa que une pólos tão diversos no espectro político
e ideológico é a distribuição de cargos e benesses no governo. As
grandes centrais sindicais parecem ter sucumbido ao mesmo canto de
sereia, com a expectativa de grandes benefícios com a reforma
sindical que o presidente prometeu enviar ao Parlamento. Além disso,
ganharam notável espaço em dois Ministérios de peso - do Trabalho e
da Previdência - e obtiveram a promessa de sepultamento do projeto de
reforma da legislação trabalhista que beneficiaria os trabalhadores,
mas diminuiria o poder sindical. Os empresários são aquinhoados com
vagas promessas de reformas nas questões tributária e trabalhista,
contempladas em pronunciamentos presidenciais que contradizem o que
ele próprio assegura a outros segmentos.
É notório que nossos grandes problemas nacionais não estão resolvidos
ou se vêm agravando. Nossa economia cresce pouco e gera muito poucos
empregos; nosso sistema tributário é um claro empecilho para o
investimento privado; o nível do investimento público é muito baixo;
nossa infra-estrutura de transporte está sucatada e a perspectiva de
um apagão energético é iminente por falta de investimentos no setor;
a maioria dos trabalhadores está submetida a relações informais de
emprego, que não lhes asseguram nenhum benefício ou segurança futura;
quase um quinto de nossos jovens de 15 a 17 anos não estuda nem
trabalha e essa proporção aumentou nos últimos quatro anos; a
insegurança dos cidadãos atinge nível sem precedente em nossa
História - no Brasil as mortes violentas são hoje mais freqüentes do
que em países conflagrados pela guerra -; o tráfico de drogas e armas
está fora de controle, alimentando facções criminosas que dominam
áreas importantes de nossas grandes metrópoles; a máquina pública
aumenta sua ineficiência, na proporção em que é loteada e aparelhada;
nosso sistema político - partidário e eleitoral - é desacreditado e
pouco representativo do cidadão, o que facilita as práticas de
corrupção que atingiram em anos recentes níveis inéditos na História
do País.
A agenda governamental para enfrentar tão complexas questões e que
promoveria a transformação da realidade brasileira simplesmente não
existe ou não ultrapassa a mera declaração de intenções. Suas
iniciativas variam da timidez do PAC - uma listagem de obras somadas
a algumas isenções fiscais setoriais de duvidosa prioridade - à
negação de responsabilidade em relação a problemas gravíssimos, como
ficou patente na recente entrevista presidencial ao se referir à
violência e à insegurança do cidadão. Embalado por pesquisas de
opinião que lhe são momentaneamente favoráveis, o presidente parece
acreditar que o imobilismo o manterá nessa situação para sempre.
A construção de maiorias sem projeto e com a utilização dos métodos
tradicionais de cooptação política propicia o alargamento do fenômeno
da corrupção, que se tem manifestado no aparecimento de novos e
sucessivos casos que atingem várias instâncias do poder. Os
acontecimentos da última semana revelam uma crise institucional de
proporções gigantescas e alarmantes, mas são um mero corolário do que
já se vinha agravando na vida nacional.
É preciso que o presidente compreenda a gravidade da situação e
exerça uma liderança verdadeira, apresentando ao País uma agenda que
contemple um processo de reformas capazes de equacionar os problemas
mencionados e introduza mudanças significativas nas práticas
políticas nefastas em que os partidos brasileiros se viciaram. O mar
de rosas vivido hoje na economia mundial dá condições objetivas para
ousadias muito maiores do que as que estamos realizando. Essas
circunstâncias favoráveis não se repetirão tão cedo. A História
cobrará do presidente a sua omissão.
Paulo Renato Souza, deputado Federal por São Paulo, foi ministro da
Educação no governo FHC, reitor da Unicamp e secretário de Educação
no governo Montoro. E-mail: dep.paulorenatosouza@camara.gov.br