Duas recentes decisões judiciais, obrigando as prefeituras de
Blumenau (SC) e de Santo André (SP) a providenciar creche e pré-
escola para crianças menores de 5 anos, abrem caminho para o aumento,
por imposição judicial, das despesas obrigatórias no setor
educacional em 5,5 mil municípios. A primeira decisão foi tomada pelo
Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A segunda foi tomada pelo
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nos dois casos, as ações foram interpostas pelo Ministério Público
Estadual. Com base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os promotores alegam que,
como a educação infantil é direito das crianças e obrigação do
Estado, os dirigentes municipais não poderiam deixar de investir em
creche e pré-escola, devendo oferecer vagas em número suficiente na
rede escolar pública para atender à demanda. Ao poder público, dizem
os promotores, incumbe tanto a adoção de políticas educacionais
quanto a destinação de verbas suficientes para que os direitos das
crianças sejam garantidos.
O Tribunal de Justiça catarinense e o STJ acataram esse argumento,
reconhecendo que a Constituição de 88 deu ao Ministério Público e ao
Poder Judiciário competência legal para obrigar o Poder Executivo a
implementar políticas públicas sempre que este for omisso no campo
dos chamados "direitos sociais". Segundo as duas cortes, a
discricionariedade dos prefeitos, a quem cabe a responsabilidade pela
oferta e gestão do ensino infantil, "não é absoluta". Prestações
sociais não são decisões de conveniência ou oportunidade, mas uma
determinação legal "constituída em dever administrativo", afirmaram
os desembargadores e ministros que obrigaram as prefeituras de
Blumenau e de Santo André a investir em creche e pré-escola.
Esses precedentes podem provocar uma enxurrada de processos
semelhantes. Pelas estatísticas oficiais, dos 12 milhões de crianças
na faixa etária da creche (3 anos), apenas 1 milhão estaria sendo
atualmente atendido pelas prefeituras. Os prefeitos alegam que não
dispõem de recursos fiscais e de instalações físicas suficientes para
atender às demais. E, se a Justiça passar a interferir na autonomia
municipal, afirma o presidente da Confederação Nacional dos
Municípios (CNM), Paulo Ziulkosky, muitos prefeitos podem até "acabar
na cadeia".
Contudo, a entrada em vigor do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica (Fundeb), em março, reforçou a tese endossada pela
Justiça. Apesar da resistência das prefeituras, o fundo definiu a
creche e a pré-escola como parte fundamental da educação básica. O
problema é que os recursos destinados pelo fundo ao atendimento de
crianças com até 5 anos não é suficiente para financiar a expansão do
ensino infantil. A CNM alega que o custo médio mensal por criança,
nas creches e na pré-escola, é de R$ 250 e o repasse do Fundeb, que
varia conforme o Estado, na melhor das hipóteses chega a R$ 140.
Por isso, liderados pela CNM, os prefeitos estão lutando em duas
frentes. Em uma tentam mudar os critérios de distribuição de recursos
do Fundeb, cuja regulamentação acaba de ser aprovada pelo Senado. Na
outra apóiam as medidas judiciais que as prefeituras de Santo André e
de Blumenau vão impetrar contra as decisões dos tribunais, sob a
alegação de que elas comprometem a autonomia administrativa dos
municípios, interferindo em seu planejamento e orçamento.
Sem dúvida, esta é a frente de luta mais importante, pois envolve uma
discussão sobre o alcance do princípio da tripartição dos Poderes e
sobre os limites da intervenção do Judiciário na vida política e
administrativa. Essa tendência de "ativismo judicial" ou de
"judicialização" da política não é um fenômeno novo e muito menos
exclusivamente brasileiro. Na década de 90, em vários países europeus
a magistratura passou a interferir em atos corriqueiros do Executivo,
gerando com isso tensões institucionais que acabaram levando o
Legislativo a rever parte das competências da Justiça. Entre nós, a
polêmica em torno do "ativismo judicial" e da "judicialização" da
política está apenas começando.