Com bingos no limbo jurídico há cinco anos,
a Câmara diz que agora vai atacar o assunto
Alexandre Oltramari
Antonio Cruz/ABR |
O protesto dos 12 000 demitidos em Brasília: empregos de volta |
Salvo uma mudança de última hora, o deputado Arlindo Chinaglia, presidente da Câmara, convocará seus pares nesta semana para abrir uma discussão que vem sendo adiada há cinco anos: a legalização do bingo no país. Graças a um fenômeno brasileiríssimo, os bingos foram regularizados pela Lei Zico, de 1993, que destinava parte da arrecadação a entidades esportivas e filantrópicas, mas caíram na clandestinidade em 2002, quando as autorizações de funcionamento foram cassadas. De lá para cá, criou-se um pântano: há casas abertas, casas fechadas e casas que abrem e fecham ao sabor de decisões judiciais contraditórias. O caos fez nascer uma indústria de liminares, parte das quais, como mostrou a Operação Hurricane (furacão, em inglês), era concedida à base de pagamento de propina a magistrados. Na semana passada, 12.000 ex-funcionários de bingos fizeram um protesto em Brasília pedindo a legalização do jogo. Eles querem seu emprego de volta, o que é um desejo legítimo, mas será que o país deve legalizar o bingo?
Os defensores da medida dizem que o setor poderia empregar até 320.000 pessoas, pagar 2,6 bilhões de reais em impostos anualmente e oferecer uma alternativa de lazer saudável. Alegam ser impossível um jogador perder grandes somas de dinheiro no jogo, pois a cartela de bingo é barata, raramente custa mais do que 1 real, e cada partida demora em média seis minutos. Um jogador compulsivo que ficasse dez horas jogando sem trégua, perdendo todas as apostas, não gastaria mais de 100 reais. O problema é que, nos quase dez anos em que a atividade esteve legalizada, nada funcionou assim. As casas abusavam de fraudes contábeis e nunca se contentaram em oferecer as inofensivas cartelas de 1 real à clientela. Para ganharem mais, os bingueiros começaram a explorar máquinas caça-níqueis, que são proibidas no Brasil devido à facilidade com que os resultados podem ser manipulados.
Leopoldo Silva/Folha Imagem |
O deputado Arlindo Chinaglia: vai ou não vai? |
Por uma lamentável coincidência, quando os bingos foram regularizados, em 1993, os bicheiros estavam sendo asfixiados pelo Ministério Público e pela polícia. Com isso, eles mudaram de ramo e se bandearam para o bingo, levando as mesmas práticas ilícitas da contravenção. As guerras entre grupos inimigos, que sangravam o jogo do bicho no Rio de Janeiro nos anos 80, passaram a ter os bingos como cenário. As casas de bingo, por movimentar grandes somas, começaram a ser usadas para lavagem de dinheiro da corrupção e do narcotráfico. Agora mesmo, quando a Polícia Federal encarcerou a máfia das liminares, descobriu-se que entre os controladores dos bingos estavam três dos mais conhecidos bicheiros do país. "Para essa turma, o bingo é a atividade menos grave", diz o secretário Nacional de Justiça, Antonio Carlos Biscaia, ex-promotor que se notabilizou nos anos 80 por sua cruzada contra o jogo do bicho. "A fiscalização é difícil. As instituições, por mais que tenham evoluído, ainda estão aquém do que seria necessário. E não faz sentido legalizar uma atividade que, por sua origem e tendência, vai caminhar inevitavelmente para a ilegalidade."
A ambigüidade jurídica sobre o funcionamento dos bingos deu margem a toda sorte de ilicitudes – e, claro, atingiu o caixa dois das campanhas eleitorais. No auge dos escândalos do governo Lula, soube-se que o coordenador de sua campanha, Antonio Palocci, negociara a doação de 1 milhão de reais ao PT com bingueiros que, em troca, queriam a legalização do jogo. O governo chegou a fazer um projeto regularizando os bingos em fevereiro de 2003. Mas o assunto foi abortado um ano depois, com o estouro do escândalo de Waldomiro Diniz, o braço-direito do então ministro José Dirceu que fora flagrado pedindo propina a um empresário de jogo. Com isso, os bingos voltaram ao limbo jurídico. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal divulgou uma decisão informando que o jogo é assunto federal. Isso significa que a Justiça nos estados não pode tratar do tema, o que tende a pôr fim à indústria das liminares. Mas a decisão do STF não resolve tudo. Se a Câmara cumprir a promessa, os bingos logo deixarão de ser uma incógnita. Ou abrem ou fecham, como em qualquer país minimamente organizado.
NO REINO DA JOGATINA
Dos onze projetos tramitando no Congresso Nacional sobre bingos, seis proíbem a atividade e cinco a legalizam. Confira os argumentos de cada lado
A FAVOR*
• Os bingos recolheriam 2,6 bilhões de reais em impostos por ano
• Criariam 320000 empregos diretos e indiretos
• Incentivariam o turismo, com a criação de pólos de lazer
CONTRA
• Os bingos lidam com muito dinheiro vivo, o que facilita a sonegação
• O crime organizado costuma usar o jogo para lavar dinheiro
• Está cientificamente provado que o jogo vicia
*Considerando que o Brasil tivesse 1000 casas de bingo