A decisão do Presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, de colocar em pauta a reforma política que se encontrava adormecida no Congresso Nacional, dá uma importância especial à semana parlamentar que se inicia. O projeto que está pronto para ir à votação prevê o voto em lista fechada, o financiamento público de campanha, a redução para 2% de votos a exigência mínima para os partidos continuarem a atuar no Congresso e a federação de partidos, que permitiria aos que não cumprissem a cláusula de barreira se unificarem na atuação parlamentar, somando suas fraquezas. Com as listas, o eleitor votaria apenas na legenda partidária, e os candidatos seriam eleitos de acordo com a colocação em que estiverem na lista do seu partido.
Se um partido receber votos suficientes para eleger apenas dez deputados federais, os dez primeiros nomes de sua lista irão para a Câmara.
Uma das principais questões em jogo é que se pretende estabelecer o sistema de lista fechada sem que antes seja definido o sistema eleitoral em que ela funcionará. Ou melhor, sem colocar em discussão outros sistemas eleitorais, como o distrital.
O senador Agripino Maia anunciou que o Democratas é a favor de um sistema misto, onde metade dos eleitos o seriam por listas fechadas e a outra metade pelo voto proporcional uninominal, como é feito hoje.
Esse sistema de votação mista, se é comum ao voto distrital, é inédito no sistema proporcional, mas tem o apoio também do partido Verde, na impossibilidade de adoção do voto distrital misto ou do voto em lista fechada.
Para o cientista político Amaury de Souza, “a lista fechada foi a forma encontrada pelo atual projeto de reforma política para viabilizar o financiamento público de campanhas, concentrando os recursos nas mãos dos partidos e não dos candidatos.
Com o controle dos recursos financeiros e das convenções que formarão as listas de candidatos, podese prever que, se não os partidos, as cúpulas partidárias serão muito fortalecidas”.
Para ele, não há incongruência entre esse sistema e o presidencialismo, “pois as coalizões parlamentares seguirão a lógica atual”.
A introdução da lista mista, que dá ao eleitor a possibilidade de escolher candidatos ao invés de só votar na legenda, como na lista fechada, “aproxima o sistema proposto do que vige hoje, no qual o voto de legenda atrai pouco mais de 10% dos eleitores.
Mas a lista mista nada tem a ver com o voto distrital misto, pois os distritos eleitorais continuarão a ser Estados e o voto será estritamente proporcional, sem o complemento do voto majoritário”.
São duas lógicas distintas: “o voto distrital, puro ou misto, combina o voto majoritário e pequenos distritos eleitorais com o objetivo de fortalecer o poder dos eleitores sobre seus representantes; o voto proporcional com lista fechada mantém o sistema atual, fortalecendo as cúpulas partidárias e limitando o poder dos eleitores à escolha dos representantes a cada quatro anos. Ou cinco, se for revogada a reeleição”.
O sistema de lista fechada facilitaria o financiamento público de campanha eleitoral, pois os partidos, e não os candidatos isoladamente, fariam a campanha. Mas há uma reação grande da opinião pública, que vê nele não uma maneira de coibir desvios, mas de dar mais dinheiro aos políticos. O deputado Miro Teixeira diz que a adoção da lista fechada no presidencialismo não tem exemplos bons. Ele cita a Argentina, onde a maioria dos deputados é de parentes de governadores e senadores.
A chamado “partidocracia” faz com que haja um movimento para “abrasileirar” o voto, o que daria mais independência aos deputados eleitos pelo voto proporcional uninominal.
“Os governadores controlam as listas. Você vai ter os parlamentos subordinados ao Poder Central, a democracia com o equilíbrio dos poderes do Montesquieu vai acabar. O conjunto da obra é a desorganização de uma democracia real”, critica Miro.
Ele aceita discutir o voto distrital misto, com lista aberta. “O que não pode é tirar do povo a condição de eleitor primário.” O voto em lista fechada é adotado, na América Latina, na Argentina, no Chile, no Uruguai, na Costa Rica, em El Salvador, Honduras, na Nicarágua e na República Dominicana. Outros países que o adotam são Portugal, Espanha, Noruega, Turquia, Bulgária, Romênia, África do Sul e Israel.
A lista fechada no parlamentarismo existe na Espanha, mas Miro ressalta que lá existe também a figura da candidatura independente, e a cláusula de barreira é 5%.
Na França, a eleição de deputados é em dois turnos, e vão três para o segundo turno.
“Você pegar uma República Federativa como a nossa e querer introduzir o modelo de uma monarquia parlamentarista é uma loucura”, indignase Miro Teixeira. Segundo ele, “os Legislativos serão subordinados aos Executivos.
Se houvesse lista fechada e esse sistema de fidelidade partidária,Tancredo não seria eleito Presidente da República, e o Collor não teria sofrido o impeachment”.
Contra a oligarquização partidária, um dos efeitos colaterais da lista fechada mais ressaltados pelos seus adversários, existe a variante da lista mais flexível, que permite ao eleitor melhorar a posição de um candidato na seqüência de nomes. E também o chamado “diferencial de Hondt”, que dá as sobras eleitorais ao partido mais votado para facilitar a formação de maiorias parlamentares estáveis.
Os defensores do voto em lista alegam que as cúpulas partidárias sempre tiveram força política, e que ela pode ser neutralizada, ou amenizada, por mecanismos já em prática em outros países, como a obrigatoriedade de realização de prévias partidárias para a organização das listas, o que colocaria a militância em ação.
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