A economia mundial está vivendo o que já se chama de era do ouro, com sucessivos crescimentos de 4,5% e 5%. Há mais equilíbrio no desequilíbrio entre os países industrializados e emergentes e a dependência dos EUA está sendo minimizada. Ela só apontará para algo mais grave se, em vez da desaceleração gradual, surgir uma aterrissagem turbulenta. E isso acontecerá se o crescimento ficar muito abaixo dos 2,2% atuais. Aí, haveria uma redução drástica nas importações anuais de US$ 2 trilhões, com repercussão em todos os países que têm o mercado americano como base de suas exportações e crescimento. Isso é especialmente válido para as duas economias que têm nos EUA sua principal fonte de receita - a chinesa e a União Européia.
Há riscos se o consumo se retrair. Mas ele não desacelera! Os números surpreendem e preocupam.
US$ 2,4 TRILHÕES DE DÍVIDA
Por enquanto, o pequeno crescimento americano vem sendo sustentado pelo mercado interno, que representa 70% do Produto Interno Bruto (PIB). Os americanos continuam consumindo de forma perdulária. Mais 3,8% em abril, e com tendência a crescer com a redução do desemprego, maior salário por hora trabalhada, produtos importados com menor preço devido ao câmbio e a perspectiva de uma inflação sob controle.
O que pode preocupar é o fantástico endividamento do consumidor americano. Atentem para este número: o endividamento é hoje de US$ 2,4 trilhões num PIB de US$ 13 trilhões. O ávido consumidor americano compra tudo que não precisa com um dinheiro que não tem. O déficit comercial em março aumentou 10% e é de US$ 69 bilhões em um único mês.
É uma espécie de criança grande e gulosa que quer tudo o que vê. E a mãe consegue comprar com o seu maravilhoso cartão de crédito, onde a assinatura vale dinheiro, mas não cria dinheiro na hora de pagar. Aí, ela parcela. Como os juros são baixos, vão acumulando dívidas. E atenção, de novo: nesses US$ 2,4 trilhões não estão incluídas as dívidas hipotecárias. E essa avalanche de crédito vai alimentando o consumo e sustentando o crescimento. Não há dúvida, porém, que é uma situação pouco elástica.
SEM CRISE À VISTA
De qualquer forma, não se vê crise despontando no cenário americano a curto prazo, mas uma desaceleração gradual que, por enquanto, o mundo está sabendo contornar com o dinamismo da China. Ela alimenta a economia importando muito e exportando muitíssimo mais. Já a Europa, com um PIB de US$ 13 trilhões, voltou a crescer de forma sustentada, mas timidamente ainda, apenas 2,4%, de acordo com previsão da Comissão Européia. A China e o Leste Asiático continuarão sendo ainda por alguns anos o sustentáculo deste ciclo de ouro da economia mundial.
MAS, E AS CRISES PASSADAS?
O leitor pode estar perguntando, e com muita razão:
Mas não estivemos em situação semelhante antes e, de repente, surgiram crises avassaladoras? Como o Brasil, que está sendo ajudado por esse clima de bonança mundial, pode confiar que, de repente, não vai ocorrer uma crise como as financeiras da Ásia, dos juros ou do petróleo?
Vamos enumerar as grandes crises anteriores:
1) As do petróleo, em 1973 e 1979.
2) A brutal alta taxa de juros nos EUA determinada pelo então presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, para aniquilar a inflação alta .
3) A moratória mexicana, em 1982.
4) O colapso das bolsas de valores em 1987.
5) A invasão do Kuwait, em 1990.
6) O fim da União Soviética, entre 1989 e 1991.
7) As crises asiáticas, russa e brasileira, em 1997 e 1998.
8) O 11 de setembro de 2001.
VAMOS VER ALGUMAS
De todas essas crises, as únicas que não deram sinais foram o fim da União Soviética e o atentado terrorista contra as torres. Todas as outras poderiam ter sido previstas, mas seus sinais foram ignorados.
Martin Wolf, colunista do Financial Times a quem me socorri para este levantamento, afirma que não foram previstas, pois, se o fossem, não seriam crises. Não é bem assim. A crise do boicote total do petróleo árabe em 1973 estava mais do que anunciada quando se iniciou a guerra com Israel, que tinha apoio dos principais países ocidentais. Kissinger chegou a transmitir a Nixon um alerta e uma proposta do rei da Arábia Saudita, mas ele nem sequer tomou conhecimento.
OS CHOQUES FINANCEIROS
Depois da explosão dos juros americanos, todos sabiam que o México não iria pagar suas dívidas. Ninguém fez nada.
Mas e as altas sucessivas e recordes das bolsas americanas e mundiais? Não estamos de novo na aventura da 'exuberância irracional'. Não parece, pelo menos por agora. As ações estão valorizando-se não tanto devido à especulação, repetimos, mas por causa das multibilionárias fusões e aquisições. São valores que chegam a US$ 3 trilhões só no primeiro trimestre! Outros fatores correlatos são os crescentes lucros das empresas decorrentes do crescimento da economia mundial e os ganhos de produtividade.
ÁSIA, RÚSSIA, BRASIL
Quanto às crises asiáticas, russa e brasileira de 1997/98, naquela época, os países emergentes tinham dívidas em moeda local só de US$ 786 bilhões. Hoje, somam US$ 3,150 trilhões. E suas reservas cambiais em moeda estrangeira passam também de US$ 3 trilhões. Estão mais sólidos e menos vulneráveis.
E O PETRÓLEO?
Restaria o petróleo, que, se especulou, chegaria a US$ 100 o barril e está parado em US$ 63, com tendência de baixa. A invasão do Iraque, há quatro anos, não impediu nem um único dia o escoamento normal pelo Golfo Pérsico.
Por isso, o Brasil pode ter certa tranqüilidade quanto à saúde da economia mundial, pelo menos a curto prazo. Por isso, também, é preciso aproveitar logo, com extrema urgência. A era de ouro ainda vai durar e nós estamos sendo privilegiados por ela.
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