O dólar abaixo de R$ 2 representa que entramos numa armadilha que é preciso desarmar. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, se justifica com o argumento de que a tendência de desvalorização do dólar é mundial.
Esse é um argumento falacioso, pois, na maioria dos casos, o dólar recua devido a uma política deliberada dos países envolvidos, e não pela força do mercado. No caso brasileiro, o que há são condições internas distorcivas que valorizam o real. É o juro elevado, que atrai investidores para obter lucros com títulos do governo sem pagar imposto, é o superávit comercial...
NÃO É SÓ O DÓLAR, NÃO
Didaticamente, o empresário brasileiro exporta em dólar desvalorizado, vende-os, obtendo menos reais na operação, e produz em moeda nacional.
Mais grave: a produção onerada também pela imensa carga tributária, pelo elevado custo de mão-de-obra. Enfim, desaba sobre o setor produtivo todo o peso do chamado custo Brasil ,que termina sua odisséia nos portos de embarque.
E é aí que o governo deveria agir. Como? Simplesmente passando a aplicar as mesmas políticas não cambiais que países como os EUA, União Européia, China, Rússia e até mesmo a Índia adotam.
O QUE ELES FAZEM?
Subsidiam a produção interna e as exportações, oferecem juros menores, impõem tarifas que chegam a até 300%, quando se trata de proteger o seu mercado.
O que não se pode é continuar dizendo, como fez o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, que o dólar desvalorizado fará com que as empresas 'obsoletas' fechem. Ele se esquece de que essas empresas empregam milhões de trabalhadores e só são 'obsoletas' porque arcam com o peso de uma carga tributária de 38% de fato, juros altos e todo o custo da infra-estrutura deficiente. Na verdade, as empresas verdadeiramente obsoletas já fecharam.
Atentem para isto: se essas empresas 'obsoletas, incompetentes' estivessem instaladas nos EUA, na China ou na União Européia, seriam competentes, e muito. Estariam exportando sob a proteção de regras especiais que não existem no Brasil. Alegar obsoletismo e incompetência é falta de conhecimento da realidade empresarial brasileira ou fuga de um desafio que cabe ao governo enfrentar.
CHEGA DE PALAVRAS, AÇÃO!
Afinal, fica a pergunta: seriam 'obsoletas' as quase 2 mil empresas que pararam de exportar? Ou o ministro quer que as grandes empresas nacionais continuem indo para o exterior, levando consigo, só entre o ano passado e este, US$ 30 bilhões, superando o que entrou, que poderiam ter sido investidos no Brasil. É essa a 'nova' política industrial brasileira?
INÉRCIA IMPERDOÁVEL
Mas o governo não age.
Blablablás como 'antes não tínhamos dólares, agora temos demais', como disse o presidente Lula, como se isso fosse apenas algo sem importância no equilíbrio da atividade econômica. Mas por que o governo não age?
Primeiro, porque está acreditando no aumento das exportações. O professor Antônio Corrêa de Lacerda refuta esse argumento falacioso. 'Os defensores da tese de que o câmbio não afetou as exportações e tivemos um superávit comercial de US$ 46 bilhões se esquecem de algo extremamente importante. O nosso desempenho pífio tem sido mascarado pela valorização dos preços no mercado internacional, principalmente das commodities. Em volume físico, o rumo do crescimento das exportações está em queda livre.'
Reduziu-se de 19,9% em 2004 para 2,9% em 2005 e cresceu apenas 3,3% em 2006. Ou seja, estamos dependendo da sustentação dos preços das commodities. Uma simples desaceleração na China ou maior retração nos EUA nos afetaria profundamente.
MAS NÃO DÁ...
E aqui voltamos ao início.
É preciso reduzir os custos que oneram a produção, principalmente, a brutal carga tributária. Mas isso significa queda da arrecadação, brada Brasília. Sim, queda da entrada de recursos extraídos do setor privado para o governo.
Para reduzir impostos e subsidiar a produção destinada à exportação é preciso que o Estado gaste menos - a conta é de 20% do PIB. Isso só na primeira etapa, pois, como aconteceu nos EUA, o aumento da produção gerou maior arrecadação, formando-se o ciclo virtuoso de produção-consumo-investimento-produção.
É como você e eu fazemos quando a nossa despesa supera a receita: cortamos gastos e buscamos novos rendimentos. Mas o governo, ao contrário de nós, que fugimos dos juros, se endivida. Mais de R$ 1 trilhão neste ano. E como precisa continuar a se financiar, não pode baixar os juros. E os juros altos atraem mais capitais financeiros, derrubando ainda mais o dólar...
É preciso quebrar essa corrente para ingressarmos no contexto da economia mundial, exportando muito e importando muito. Estamos diante de uma armadilha perfeitamente desarmável. É um caminho com retorno, no qual o dólar a menos de R$ 2 é apenas um símbolo do rumo que não podemos de forma alguma seguir.
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