A avalanche de dólares coloca o país na
rota da normalidade e dos juros baixos.
Dessa vez tudo conspira para dar certo
Julia Duailibi e Cíntia Borsato
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ELE VOA PARA ONDE NINGUÉM QUER VOAR |
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Décadas seguidas de desarranjo financeiro, alta inflação e crescimento pífio no Brasil apagaram qualquer centelha inovadora e empreendedora, combustível vital para o aumento da produtividade e o desenvolvimento econômico. Simplesmente não valia a pena fazer negócios no Brasil. Com a taxa de juro nas nuvens, era mais seguro e rentável emprestar dinheiro ao governo. Raríssimas empresas conseguiram se manter lucrativas nesse ambiente hostil. A cada dia, no entanto, o país emite sinais indiscutíveis de que a racionalidade finalmente venceu no Brasil. VEJA conta aqui histórias de empresas promissoras, novas e antigas, que decidiram apostar no crescimento do país e têm sido sobejamente recompensadas.
O atual estado da economia brasileira foi descrito com perfeição pelo economista Ilan Goldfajn, professor da PUC-RJ e ex-diretor do Banco Central, em artigo publicado na semana passada: "Há hoje mais otimismo quanto às perspectivas futuras. Não apenas um ânimo com um bom momento passageiro da economia, como tantos outros no passado, mas com uma mudança mais duradoura. Um ânimo que se reflete em mais investimento, em prazos mais longos de análise, mais contratações, aumentos salariais, crédito bancário farto e oferta de ações na bolsa de valores, nas quais empresários estão captando recursos para investir nas suas áreas de atuação". Para o diretor de pesquisas macroeconômicas do Bradesco, Octavio de Barros, o Brasil vive uma revolução, algo sem precedentes em sua história. Diz o economista: "É uma revolução paradigmática, não existe outra palavra para descrever esse fenômeno. Viramos a página da alta inflação e da dívida externa, os dois elementos que historicamente pontuaram a ciclotimia da economia". Segundo Márcio Holland, professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, o atual momento não tem paralelo: "O Brasil começa a se tornar um país normal e caminha para ter padrões internacionais de inflação e taxa de juro, ao mesmo tempo que mantém as contas externas no lugar. É como uma profecia que se auto-realiza. Durante o milagre econômico da década de 70, ao contrário, houve um crescimento inflacionário, calcado no endividamento público. Temo apenas que as reformas sejam abandonadas".
Obviamente, o Brasil não se transformou de repente em uma Suíça tropical. Os pontos fracos estão aí e terão de ser enfrentados com chuva de dólares ou não, como lembra Márcio Holland. A burocracia paralisante e o gigantismo estatal não vão embora apenas porque a política monetária é um sucesso. Outro ponto crucial é o custo do dinheiro, os juros reais praticados na economia. O Brasil continua na quarta divisão de nações com as taxas reais (descontada a inflação) mais altas do mundo – só perde para a Turquia entre as economias relevantes. A boa notícia é que o círculo virtuoso do dólar barato vai redundar em queda mais acelerada dos juros. Essa inevitabilidade é mascarada pela dificuldade de entender o fenômeno das relações cambiais. O debate sobre o valor da moeda costuma ser travado em águas rasas. Por isso, não raro, os argumentos encalham. Timothy Taylor, professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, ilustra com clareza a complexidade das discussões envolvendo o mercado global de moedas. Para começo de conversa, Taylor lembra a seus interlocutores que esse mercado (dólar comprando euros ou ienes sendo trocados por libras...) chega a 2 trilhões de dólares por dia. Isso é muito? Bem, todo o mercado mundial de mercadorias, de soja a carros, de computadores a aviões, passa um pouco dos 10 trilhões de dólares por ano. Ou seja, em cinco dias mais riqueza financeira muda de mãos no mercado de moedas do que em um ano em todo o comércio mundial entre as duas centenas de países do planeta. É uma força descomunal.
Taylor cita uma pesquisa feita com uma centena dos mais renomados economistas americanos, a quem foi feita a seguinte pergunta: "Quais são as três questões de mais difícil resposta?". Em primeiro lugar ficou a mais antiga perplexidade humana: "Qual é o significado da vida?". Em segundo, "como a mecânica quântica se relaciona com a teoria geral da relatividade?". E em terceiro lugar: "Qual a taxa de câmbio ideal?". As perguntas acima não comportam respostas irrefutáveis – as melhores cabeças não chegaram a um consenso sobre elas. Dificilmente se chegará. No que diz respeito ao câmbio, a melhor resposta é dada pelos mercados. "Deixe o câmbio flutuar, atue apenas para evitar subidas bruscas e quedas desastrosas e, no longo prazo, em condições ideais, a moeda vai tender para um valor que reflita o sucesso de suas políticas macroeconômicas", sugere o professor Taylor. Por condições ideais ele entende a ausência de uma recessão profunda e prolongada nos Estados Unidos ou de algum outro grande cataclismo na economia global. Como isso independe da vontade dos países, o que se depreende do conselho de Taylor para os governos é o mais básico senso comum: gaste menos do que arrecada e não deixe a inflação disparar. No longo prazo as coisas se ajeitam.
Apesar de alguns setores saírem perdendo, a desvalorização do dólar tem sido extremamente positiva para o conjunto da economia. Segundo Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC e atualmente economista-chefe do banco ABN Amro para a América Latina, o real mais forte derruba a inflação e eleva os salários. É o que mostram as estatísticas. O total de salários pagos, que havia crescido menos de 2% em 2004, acelerou para 4,6% em 2005, 6,4% em 2006 e 7,2% nos doze meses terminados em março deste ano. Como conseqüência, o consumo engordou, estimulando o comércio – as vendas do varejo subiram 12% em março, em relação ao mesmo mês de 2006. Para Schwartsman, isso tem beneficiado a indústria local, a despeito do câmbio desfavorável. Alguns analistas chegaram a dizer que o país estaria "exportando empregos" ao não interferir no câmbio. Brigaram com os fatos. As estatísticas do Ministério do Trabalho mostraram que a indústria nacional criou 318.000 vagas formais entre maio de 2006 e abril de 2007. Para Caio Megale, sócio da Mauá Investimentos, a experiência internacional comprova o acerto do governo brasileiro: "Baixa inflação traz crescimento. Essa é uma verdade consolidada na moderna literatura econômica. O presidente Lula teve o mérito de compreender isso".
Como em todos os campos da investigação humana racional, a economia avança por consensos. Para a felicidade da maioria dos brasileiros, essa máxima está se provando funcional também em algumas regiões tropicais. O consenso atual em relação ao Brasil é que as coisas se ajeitaram. Esse consenso puxa outro ainda mais extraordinário: o custo do dinheiro, definido pela Selic (a taxa de juro básica fixada pelo BC), tende a cair nos próximos meses e anos. O que isso significa? Significa que, depois de eras de sofrimento sob as mais estapafúrdias políticas econômicas, o Brasil está em condições de colher os frutos oferecidos pela prosperidade mundial graças a uma década de acerto atrás de acerto na política econômica. Significa que as empresas de todo porte, principalmente as pequenas, que sempre foram mais penalizadas, vão poder tomar dinheiro nos bancos pagando juros compatíveis com suas margens de lucro. Significa que mais empresas serão abertas e as que já existem vão poder apostar no próprio crescimento e abrir filiais ou novos ramos de negócios. Significa que haverá mais e melhores empregos para quem se forma ou foi expulso do mercado de trabalho pelo crescimento medíocre do passado. Finalmente, depois de décadas de sufoco e de sovina dominação estatal sobre o crédito disponível, os empreendedores vão poder dizer com orgulho do Brasil o mesmo que o presidente americano Calvin Coolidge (1923-1929), para quem a economia era apenas uma forma material de idealismo, disse dos Estados Unidos: "O negócio deste país são os negócios".
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