Nos últimos dias o presidente Lula fez declarações contraditórias que produziram diferentes sensações de desconfiadas esperanças, mas também inseguro ceticismo, no estilo coluna do meio, em cima do muro, deixando dúvidas se a “metamorfose ambulante” que ele se autodenomina, significa rompimento com crenças do passado ou se esconde outras intenções.
Em entrevista na terça-feira, Lula afirmou: “Quanto mais autonomia tiver o Banco Central, melhor para o País”, mas se recusou a enviar projeto ao Congresso confirmando esta autonomia em lei. Sobre greves do setor público o presidente foi duro: “Fazer greve 100 dias e receber salário não é greve, são férias”, e condenou a paralisação de funcionários do Ibama, classificando de “titânica” a luta do governo para modernizar o País. Na quinta-feira defendeu as reformas trabalhista e da Previdência, mas não explicou por que seu governo nem sequer preparou as duas propostas nos quatro anos do primeiro mandato - até hoje nem esboço há. Este é o Lula “metamorfose” que irrita o PT e os companheiros sindicalistas. Mas há o Lula fiel ao passado (será mesmo?), que, movido por algum interesse, busca agradar não ao PT, mas a certos políticos, aliados ou não. Alguns exemplos.
Ele voltou a defender a ampliação dos limites de endividamento dos Estados, acenando com a reabertura da porteira para a boiada passar em farra. O alvo são os governadores, ávidos por contrair mais débitos, gastar o dinheiro em seus mandatos e pendurar a conta para o sucessor pagar. Lula prometeu uma solução favorável a José Serra e a Aécio Neves, transferiu o “pepino” para o ministro Guido Mantega, que não sabe o que fazer para cumprir a promessa do chefe aos dois governadores tucanos. Mantega diz estar estudando alternativas, já divulgou e descartou algumas, outras terão o mesmo caminho, até que o Congresso aprove a prorrogação da CPMF e da Desvinculação de Receitas da União (DRU) com a preciosa ajuda dos governadores. Aí o assunto cai no esquecimento.
Prometer algo em troca de aprovação de matérias relevantes no Congresso é prática comum de todos os presidentes, não foi inventada por Lula. Faz parte do jogo do troca-troca entre Executivo e Legislativo. Pior é trocar por cargo, emenda ao orçamento ou liberação de dinheiro para obras que deputados não executam. Agora, péssimo é quando Lula vulgariza o troca-troca por nada, só pela necessidade narcísica de ouvir aplausos. Foi o caso de discurso que fez, na terça-feira da semana passada, na pequena cidade catarinense de São José, quando ele anunciou que seu governo não irá privatizar o Banco do Estado de Santa Catarina (Besc). “Os bancos estaduais antes eram usados para pagamento de campanhas. Agora queremos mostrar que um banco bem administrado é fator de desenvolvimento para o Estado”, discursou Lula, evidentemente sob aplausos.
O capítulo “bancos estaduais” é uma tragédia na história recente do País. Lula sabe disso. Deles os governadores “sacavam” dinheiro sem controle para a “farra do boi”, expressão com que Lula se refere ao exagero de gastos e dívidas dos Estados, felizmente interrompidos na gestão FHC com a negociação dos débitos com a União e com a privatização dos bancos estaduais. Todos eles, sem exceção, acumularam prejuízos enormes ao longo de anos, sobretudo em períodos de campanha eleitoral. Só o rombo do Banespa chegou a R$ 30 bilhões (valor de dezembro de 1997) e a conta global se aproxima de R$ 100 bilhões, coberta, como sempre, pelos 180 milhões de brasileiros que pagam impostos.
Lula privatizou dois bancos estaduais em seu primeiro mandato - o do Maranhão, em 2004, e o do Ceará, em 2005. Agora não quer fazer o mesmo com o Besc. Diz que “o Banco do Brasil (BB) vai comprá-lo, manter o nome e as agências”. E novamente empurrou o “pepino” para Mantega resolver. Este tratou de desfazer o desatino do chefe: “Não está nada certo que o BB compre o Besc.”
A verdade é que as contradições de Lula não têm nenhuma lógica técnica ou ideológica. Ele age movido apenas pelo senso político do momento. Acena com as reformas, quando as agências de rating discutem o grau de investimento para o Brasil, que ele quer deixar como marca de seu governo. E se dá ao luxo de usar o Besc só para arrancar alguns aplausos.