Numa esquina em Londres, um operário inglês e um português conversam. Passa um carro de luxo. “Ainda chegarei lá”, diz o inglês, convicto. “Ainda chegarás aqui”, fala o português, revoltado. Essa piada, contada por um amigo português, busca realçar, de forma jocosa, a visão de duas culturas perante o capitalismo. Na anglo-saxônica, o sucesso emula. Na ibérica, causa desgosto.
O preconceito contra o êxito individual, retratado no operário português, ainda habita mentes em países que não conseguiram criar o sistema capitalista em sua inteireza. Neles, a maioria apóia a ação estatal, por ideologia ou desinformação. Muitos vêem o lucro com suspeição.
Manifestações dessa cultura são freqüentes no Brasil, como na pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas com 280 parlamentares (Estado, 13/5/2007), na qual 59% apóiam a presença do Estado para “promover o desenvolvimento”, julgando necessário “preservar suas principais empresas e a capacidade de intervenção”. A privatização deu certo e deveria continuar para apenas 33%.
O sistema capitalista começou a nascer no século 17, mas suas manifestações são mais antigas. Quando Cristo expulsou os vendilhões do templo, aqueles comerciantes praticavam uma forma primitiva de capitalismo. Era capitalista o comércio da Idade Média, impulsionado pelas Cruzadas, pelas especiarias e pelo surgimento das cidades.
A novidade era o sistema capitalista, o sucessor do feudalismo. Também conhecido como economia de mercado, o sistema se funda na propriedade privada e na operação dos mercados para promover a produção e a distribuição. Seu desenvolvimento decorreu das mudanças institucionais que criaram o moderno Estado e limitaram o arbítrio dos governantes. Os reis perderam o poder de demitir juízes, tributar, confiscar bens e mudar as regras, a seu talante. O Parlamento assumiu a supremacia do poder.
Essas transformações resultaram de longo amadurecimento e foram aceleradas pela Reforma protestante e pelo Iluminismo.
Na Inglaterra, a Revolução Gloriosa de 1688 reforçou o Estado de Direito, gerando duas condições essenciais para firmar o sistema capitalista: a proteção dos direitos de propriedade e o respeito aos contratos.
Outros componentes fundamentais foram o desenvolvimento das ciências e do crédito, as crenças favoráveis à busca da realização pessoal e a valorização do empreendedorismo. Não é à toa que a Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra, pois foi lá onde tudo isso ocorreu com maior intensidade. Suas colônias na América e na Oceania foram herdeiras desse virtuoso processo.
No século 19, vieram as críticas ao sistema capitalista e o uso da intervenção estatal para tentar repetir seus efeitos benéficos em outros países. As críticas de Marx, muitas das quais equivocadas, inspiraram o socialismo, que viria a fracassar como sistema econômico.
A intervenção via empresas estatais e políticas dirigistas permitiram a industrialização na Europa. A América Latina a imitou no século 20.
A intervenção estatal visava a suprir falha de mercado, neutralizando os efeitos da insuficiente evolução institucional. Não deveria ser permanente, cabendo ser revista quando a falha fosse sanada, mas a experiência mostrou, particularmente na América Latina, que interesses da burocracia e do sistema político criam resistências à mudança, que se reforçam com a suspeição contra o lucro e outras crenças anticapitalistas.
Ao longo dos anos, a convivência com o sistema capitalista evoluiu. Percebeu-se que os mercados são eficientes para expandir a produção, mas não para distribuir a renda.
Formou-se consciência sobre as questões ligadas à sustentabilidade. Assim, a partir dos anos 40, políticas sociais compensatórias foram adotadas em quase todo o mundo. Em período mais recente, ações para preservar o meio ambiente passaram a fazer parte dos programas de governos e de empresas socialmente responsáveis.
O Brasil incorporou essas novas realidades, mas não todas as crenças que apóiam o sistema capitalista. Os parlamentares que descrêem dos benefícios da privatização e defendem o estatismo não estão sós.
O caminho será longo até a maioria aceitar as vantagens do sistema capitalista, mas, à moda do operário inglês, eu acredito que chegaremos lá.
* Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, maio 20, 2007
Ainda seremos capitalistas? Mailson da Nóbrega*
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