O que fica das operações espetaculosas da Polícia Federal? O que aconteceu com as mais de 5.200 pessoas presas em nada menos do que 284 operações realizadas desde 2003? O trabalho da Polícia Federal começou discretamente — em 2003, foram apenas nove operações, com 223 presos —, foi aumentando de intensidade e repercussão, e chegou, em 2006, a 167 operações, com a prisão de 2.673 pessoas. A grande maioria dessas pessoas algemadas sob os holofotes espetacularmente foi solta, e não há notícia do que aconteceu com todas essas acusações. A sensação de impunidade só faz crescer diante dos resultados pífios dessas ações policiais.
A banalização das prisões pode convencer os delinqüentes de que tudo será esquecido rapidamente.
As operações da PF começaram a ganhar notoriedade pelos nomes criativos que utilizavam — Operação Faroleiro, em 2002, que prendeu, entre outros, o doleiro Toninho da Barcelona, ou Operação Gafanhoto, em 2003, que prendeu o ex-governador de Roraima Neudo Campos, e diversos outros políticos e funcionários públicos que criavam funcionáriosfantasmas para fraudar as contas no estado.
Ou Cavalo de Tróia, realizada em novembro de 2003 nos Estados do Pará, Goiás, Maranhão e Piauí, para prender uma quadrilha especializada em cometer crimes pela internet, contra bancos e clientes.
Ou Feliz Ano Velho, em janeiro de 2004, que prendeu grupo organizado ligado à falsificação de Autorizações para Transporte de Produtos Florestais emitidas pelo Ibama.
A Operação Pororoca, prendeu 25 pessoas no Amapá, Minas Gerais, Pará e Distrito Federal, acusadas de participar de quadrilha que fraudava licitações.
Entre os presos estavam o ex-senador pelo Amapá Sebastião Rocha (PDT) e o paraense Fernando de Souza Flexa Ribeiro, que acabou sendo solto e hoje é um dos senadores da República.
A Operação Narciso foi a mais chamativa de 2005, com a PF, Receita Federal e o Ministério Público Federal operando em conjunto, com mandados de busca e apreensão e de prisão temporária em São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo e Paraná. O objetivo seria impedir a continuidade do crime de sonegação fiscal da loja Daslu, em São Paulo.
A Operação Sanguessuga, que pretensamente desarticulou organização especializada em fraudes em licitações na área da saúde, causou terremoto político. Foram feitas 48 prisões, de funcionários públicos que atuavam no Ministério da Saúde e na Câmara, e diversos políticos, muitos com mandato em vigor, foram acusados de participar das fraudes.
O ex-ministro da Saúde Humberto Costa foi denunciado, e a compra de ambulâncias superfaturadas virou cavalo de batalha entre governo e oposição nas campanhas eleitorais.
A compra por petistas de dossiê tentando envolver o então candidato ao governo de São Paulo, José Serra, no esquema de fraudes acabou sendo o pivô de uma crise política na campanha do presidente Lula.
Até agora, muito poucas ações concretas resultaram de todo esse aparato policialesco que, se tem o valor de mostrar que ninguém está a salvo, com escutas telefônicas para apurar desde o tráfico de drogas e de mulheres até o desvio do dinheiro público, mostra também que as consequências punitivas são irrisórias. E que muitas vezes a truculência policial não tem a correspondência nas provas legais.
Esse desânimo da sociedade pode ser resumido em algumas mensagens que recebi sobre o tema. Pedro Paulo Tolentino Álvares acha que o caminho para conseguir punições “é estabelecer uma legislação rígida prevendo pena longa de prisão para quem sonegar imposto de renda. Enquanto isso não for implementado, só vamos ver muita pirotecnia e pouco resultado”.
Henrique Sergio Pio Cavalcanti propõe que o jornal lance um caderno a cada 30 dias, ou menos, com balanço de todas as operações da PF e os resultados das investigações “de todos os últimos escândalos”, para que o assunto não saia do foco da mídia.
Já Michel Corniglion concorda que a corrupção no país “é endêmica, e está entrelaçada nos três poderes, há décadas”.
Para ele, ela “só poderá ser aliviada no dia em que os homens de bem tiverem a audácia dos canalhas e acabarem com a pior saga do Brasil, que se chama impunidade”.
Roberto Legey diz que “pilantras poderosos da República não estão nem aí para as conseqüências. Os Delubios, Genoinos, Silvinhos, Waldomiros, Euricos e que tais não estão nem um pouco preocupados.
O Delubio não disse que tudo vai virar piada de salão? Pois é o que vai acontecer.
Após os raios e trovoadas da PF nessas operações, sabemos que nossos doutos juízes e desembargadores transformarão tudo em inaudíveis traques!”.
Esse estado de espírito da cidadania preocupa outro leitor, o publicitário Jorge Maranhão, envolvido há muito tempo em movimentos de valorização da cidadania e que tem até um site para promovê-la (www.avozdocidadao.com.br).
Ele está convencido de que é preciso esclarecer o cidadão sobre o funcionamento do Judiciário: “Para uma opinião pública que desconhece a função e o processo judiciários, vai ficando cada vez mais claro que, se a polícia prende e a Justiça solta, pelo menos a polícia prende! E se, além de elementos do Executivo e Legislativo, prender mais do próprio Judiciário, melhor ainda”.
Ele adverte que “o efeito colateral” da situação que vivemos “é a prostração e o ceticismo da cidadania, ampliado pelo cinismo e a omissão equívoca das elites. Quanto mais espaço a mídia der ao Judiciário, maior a possibilidade de conscientização e atuação da cidadania.
É modelo histórico de construção das democracias”.
Maranhão critica os meios de comunicação: “Se as instituições da democracia têm de funcionar a despeito do inquilino do Planalto, está faltando na mídia mais sociedade civil, mais tribunais e menos Lula”.
Para ele, “a única alternativa democrática é nos exigir responsabilidade política na construção das instituições.
Exigir a volta do Estado às suas funções essenciais”.