Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, maio 25, 2007

Roberto Pompeu de Toledo


O ministro e a Zeca Feira

E mais: a piada de brasileiro que é obrigar
que haja avisos nos locais em que há
controle de velocidade

A disputa entre o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e o cantor Zeca Pagodinho é mais um desses embates que revelam o que o país quer ser quando crescer. O ministro Temporão, da ala séria do governo Lula, assumiu, como uma das principais bandeiras de sua gestão, o combate ao abuso das bebidas alcoólicas. Entre outras medidas, anunciadas na semana passada no âmbito de uma Política Nacional sobre o Alcool, quer a proibição de venda de bebidas em bares de beira de estrada e a restrição dos anúncios de cerveja na televisão. Zeca Pagodinho, o mais notório garoto-propaganda de cerveja no Brasil, assumiu a bandeira oposta. "Por que o ministro não vai cuidar dos hospitais?", disse. Se ganha o ministro, o país dará num passo no rumo da civilização. Se ganha Zeca Pagodinho, continuamos no lero-lero leniente e inconseqüente que caracteriza nosotros do Terceiro Mundo. Bernie Ecclestone, o chefão da Fórmula 1, uma vez comentou, na véspera de um Grande Prêmio do Brasil, a respeito da proibição de anúncios de cigarro nos carros de corrida: "Ora, isto é Brasil!" Ele não acreditava que, num país mambembe como este, tal proibição pudesse pegar. Ganhe Zeca Pagodinho e ficará configurado que "isto" continua sendo Brasil.

A cerveja escapou da legislação que, há alguns anos, restringiu a propaganda de outras bebidas, como cachaça e uísque, por causa de seu teor alcoólico menor. Ou melhor: constou que foi por isso. O que funcionou mesmo foi o poderoso lobby cervejeiro. A cerveja é uma das maiores anunciantes da TV. E nenhum outro produto, desde a saída de cena do cigarro, tenta como ela associar-se ao sucesso e à boa vida. Numa VEJA recente, Millôr Fernandes escreveu que, ao vislumbrar a mulheraça que caminhava à sua frente, no calçadão de Ipanema, de biquíni, na flor e na explosão de saúde de seus 20 e poucos anos, um passo para cá e outro para lá, a certa altura não se agüentou, tomou coragem, avançou, emparelhou com ela... e perguntou: "Por favor, que cerveja a senhorita está anunciando?"

A última dos publicitários de cerveja foi a invenção, nos anúncios da Brahma, da "Zeca Feira". O gosto da expressão é duvidoso: juntaram o "Zeca" do Pagodinho com o "feira", que, para surpresa e graça dos estrangeiros, serve, na língua portuguesa, para distinguir os dias úteis da semana. Mas a intenção não é duvidosa: é convencer a população a devotar um dia a mais à bebedeira. A "Zeca Feira" do anúncio é a quarta-feira. Uma pessoa aparece dizendo que toda quarta-feira chegava desanimada em casa. Mas aí... Aí vem o Zeca Pagodinho, risca do calendário a quarta-feira e escreve em cima: "Zeca Feira". Viva! A quarta-feira está liberada! Dão-se como favas contadas, claro, a sexta e o sábado, quando não se trabalha no dia seguinte, e também, vá lá, o domingo, quando não se trabalha. A quinta, como é véspera da sexta, também já estava no papo. Faltava a quarta. Zeca Pagodinho decretou que não falta mais. Aguarda-se, nas próximas campanhas publicitárias, o avanço na segunda e na terça.

Haverá próximas campanhas? Eis a questão. A "Zeca Feira" foi instituída já no curso da pregação do ministro Temporão. Vai ver é tática para ganhar terreno antes de ter de entregar os pontos. "Deixa o Zeca trabalhar. Deixa o Zeca ganhar o dinheirinho dele", disse Zeca Pagodinho, num de seus acessos contra o ministro. O "dinheirinho" são alguns milhões de reais. Enquanto ele o embolsa, que continuem livres e prósperos a cirrose, os transtornos psiquiátricos causados pelo álcool, as agressões, os tiros em briga de botequim, as muitas entre as 35.000 mortes anuais em acidentes de trânsito que têm causa na embriaguez do motorista. Zeca Pagodinho está deixando a vida o levar para a condição de porta-voz dos borrachos do país.

Não nos bastasse a Zeca Feira, este é ainda o país em que os motoristas serão gentilmente avisados dos locais em que há fiscalização de velocidade. Uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito que entrou em vigor na semana passada obriga que haja sempre, nas estradas ou nas cidades, sinais informando da existência de radares. Se o governo trabalha na direção da civilização na campanha contra o álcool, nesta toma o rumo contrário. Aliás, toma rumo contrário às próprias intenções da campanha contra o álcool, um de cujos alvos é diminuir a quantidade de mortos no trânsito no país. O carinhoso aviso ao motorista – "Olha aqui, daqui a 100 metros tem um radar, viu?" – inscreve-se no capítulo das piadas de brasileiro. Brasileiro gosta de contar piada de português e de argentino, mas as de brasileiro são melhores. Uma das preferidas do colunista que vos fala é o aviso que certas companhias telefônicas adotaram: "Esta linha no momento está ocupada". Para azar dos estrangeiros que não entendem a língua portuguesa, revogaram o sinal de ocupado universalmente adotado e entendido. Agora vem essa história do aviso nos radares. Os motoristas estão liberados para fincar o pé, nos intervalos entre um aviso e outro.

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