De tão falso, ninguém mais leva a sério. A cada denúncia de corrupção
atingindo o Congresso, deputados e senadores pregam a necessidade
urgente da reforma política, que, obviamente, depende só deles. Logo
que a poeira assenta, o assunto esfria e se desligam os holofotes,
eles se esquecem da urgência e da reforma. Até o escândalo seguinte,
que segue o mesmíssimo ritual. Mensalão, vampiros, sanguessugas,
Operação Navalha - em todos esses casos de corrupção a reforma
política foi lembrada e, em seguida, esquecida. E não só. No
Executivo, se práticas de superfaturamento são descobertas, logo
surgem ministros anunciando que o governo passará a usar só o leilão
eletrônico em suas compras. Antes mesmo de serem acionados, os
leilões caem no esquecimento.
Na verdade, além de uma reforma política, o Brasil precisa mesmo é
completar a reforma do Estado, iniciada no governo FHC e que Lula não
só interrompeu como tratou de retroceder - ampliou de 26 para 36 o
número de Ministérios, demonizou as privatizações, enfraqueceu e
politizou as agências reguladoras, fez uso político de instituições
com função de Estado, como o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf), e recriou estruturas desnecessárias (Sudam e
Sudene) com lastimável passado de desvio de dinheiro público.
Quanto mais gigante o Estado, maior a necessidade de recursos para
sustentá-lo. Encolher a máquina estatal, para fazê-la caber na
capacidade de o povo pagar impostos, e racionalizar os gastos, para
sobrarem recursos para investimentos, são providências obrigatórias
de um governo centrado no progresso do País. Mas, como o Brasil
marcha na direção inversa, pagamos a mais elevada carga tributária do
mundo em desenvolvimento. E no rastro do dinheiro do contribuinte
surgem empreiteiras e empresas de serviços públicos aliciando
ministros, governadores e prefeitos, cedendo barcos e aviões,
agradando a políticos com mimos, gravatas e malas de dinheiro.
Hoje, até países socialistas como a China reduzem o tamanho do
Estado, privatizam estatais e ampliam parcerias com empresas
privadas. Mas aqui Lula demonizou a privatização na campanha
eleitoral de 2006, ganhou votos - até porque seu adversário cometeu o
erro de não contestá-lo -, mas se acorrentou a um compromisso
político que o impede de se desfazer de empresas deficitárias
devoradoras de dinheiro público. Só no setor elétrico são supridas
pelo Tesouro a Eletronorte e cinco distribuidoras estaduais de
energia (do Piauí, de Alagoas, de Rondônia e duas do Amazonas), todas
administradas pela Eletrobrás. A solução natural e lógica seria
prepará-las para venda à iniciativa privada, interrompendo a sangria
de dinheiro. Mas o governo Lula nada fez nessa direção.
O que aconteceu com as agências reguladoras foi outro lamentável
retrocesso. Criadas com a autonomia necessária para separar decisões
técnicas de influências políticas, as agências perderam poder,
viraram apêndices de Ministérios, foram loteadas por apadrinhados
políticos e suas ações e decisões passaram a ser vistas com
desconfiança por investidores privados. Resultado: muitos
investimentos em infra-estrutura fugiram do Brasil, tomaram outro
rumo por falta de segurança na estabilidade de regras de regulação.
Espécie de reforma às avessas, o governo Lula ampliou de 26 para 36 o
número de Ministérios, atraindo para o governo ministros políticos,
que ali estão com o único propósito de tirar algum proveito para seu
partido, seja por meio de verbas públicas ou por indicação de cargos.
Na última terça-feira a Anistia Internacional divulgou relatório
condenando sucessivos casos de corrupção no Brasil. Na verdade, a
combinação políticos-dinheiro público-empreiteiras-fornecedores e
prestadores privados de serviços públicos é explosiva porque, volta e
meia, dá em corrupção. Foi assim durante décadas com as empresas de
telefonia, e a privatização cortou o mal pela raiz. A reforma do
Estado precisa ser retomada por razões variadas: ajuda a evitar a
corrupção, gastos com a máquina pública são economizados e
direcionados para investimentos e para a área social, reduz a
barganha política por cargos, atrai investimentos privados. Longe de
ser uma questão ideológica, é uma necessidade.
*Suely Caldas é jornalista. E-mail: sucaldas@terra.com.br